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Reporter. Writer. Radio and multimedia producer  | Currently in Lisbon, Portugal  | Updating...


Photograph: Ana Rita Brito

Fernando Nobre: “Sou um indignado”

A sede da AMI é uma azáfama. Pessoas acotovelam-se num longo e estreito corredor. No final deste corredor, surge um jardim verdejante, um espaço de tranquilidade que contrasta com o barulho e a agitação vividos nos diferentes departamentos.O gabinete de Fernando Nobre dá para este jardim. Recebe-nos à porta e convida-nos a entrar. Lá dentro, as paredes estão cheias de fotografias suas nas missões por todo o mundo. A um canto, de frente para a secretária do presidente da Assistência Médica Internacional, uma ilustração de Aristides de Sousa Mendes, exemplo de um homem que “não se acomodou, mas pagou um preço por isso”. Fernando Nobre, que renunciou ao cargo de deputado depois de não ter sido eleito presidente da Assembleia da República, voltou à ajuda humanitária. Regressara há pouco do Bangladesh e partia no dia seguinte para Bruxelas. Parecia cansado. Prestes a fazer 60 anos, o médico afirma que é na AMI que se sente mais útil. Apesar de tudo, não se arrepende da sua experiência política. E promete que vai continuar atento ao que se passa no país e no mundo.

É um indignado, Dr. Fernando Nobre?

Sou, sou um indignado. Estou indignado porque podíamos ter criado um sistema económico que situasse o homem no vértice de todas as suas preocupações. Não é o caso. Os estados e os seres humanos foram submetidos a uma lógica de mercado. Um mercado descontrolado, ganancioso. É por isto que as pessoas – os tais 99% – sentem que estão a ser manipulados, estrangulados, armadilhados pelo 1% que não revela qualquer ética empresarial. Isso está a levar a uma profunda onda de indignação. E eu, como ser humano que sou e que sempre estive ao lado dos mais desfavorecidos, só posso sentir-me indignado como eles.

 Na generalidade, os protestos que se têm realizado um pouco por todo o mundo caracterizam-se como sendo apartidários. Segundo a sua experiência política, acha possível que estes cidadãos tenham intervenção no sistema existente?

Eu acho que o sistema político, tal como existe, vai ter de se reformar. Vai reformar-se com a intervenção cada vez maior da componente cívica e da cidadania. Fá-lo-á a bem ou a mal. No nosso país, as manifestações têm sido, até agora, pacíficas. Espero que não se transformem em manifestações violentas, à medida que o grau de indignação e revolta cresce. É um mito pensar que somos um povo de brandos costumes…

Na altura em que concorreu como independente à Assembleia da República pelo PSD, disse que considerava Passos Coelho o homem ideal para tirar Portugal do caos económico e social em que o país se encontra. Depois das medidas previstas no Orçamento de Estado, continua a achar isso?

O Dr. Passos Coelho é um homem digno. Não me arrependo de ter estado ao seu lado para uma mudança governativa no país. Não estou, de todo, arrependido.

 E portanto, mantém a confiança em Passos Coelho…

Com certeza. Continuo a considerar o Dr. Pedro Passos Coelho uma pessoa digna, uma pessoa séria, uma pessoa responsável e uma pessoa que tem uma tarefa ciclópica à sua frente. E espero que o tempo seja benéfico porque há muitos factores que não dependem dele.

Mas não acha que poderiam ter sido tomadas medidas que sustentassem o crescimento económico e não apenas medidas de austeridade?

Eu acho que chegou o tempo de afirmarmos, alto e bom som, que o crescimento económico no mundo possivelmente atingiu o seu clímax. E por isso, os países mais desenvolvidos vão ter de aceitar – mas aí, não vejo os políticos ousarem afirmar isso às suas populações – que o crescimento, que pensávamos que podia ser infinito, acabou.

Voltemos a Junho deste ano. Naquele dia em que foi recusado por duas vezes para ser presidente da Assembleia da República, o que é que sentiu?

O que é que eu senti… Entendi que a classe política portuguesa não estava pronta para me aceitar. Tive pena porque eu nunca solicitei cargo nenhum, nunca pedi cargo nenhum na minha vida. Apenas aceitei desafios em nome dos portugueses e de Portugal. Senti uma tristeza e, porque não dizer, algum sentimento de incompreensão. Mas sem qualquer mágoa. E por isso, regressei ao Parlamento no dia seguinte para votar na minha amiga Assunção Esteves e depois anunciar a minha renúncia, porque senti que, e estou cada vez mais convicto disso, sou muito mais eficaz e útil na minha missão social e humanitária do que como deputado na Assembleia da República.

 Depois de ter passado muito tempo a atacar os partidos e o sistema partidário em Portugal, sentiu que os partidos se viraram contra si nessa altura?

Eu nunca fui contra os partidos. Nunca tal afirmei. Isso foram anátemas que me foram lançando. O que eu sempre afirmei foi que os partidos não esgotam a democracia e que a democracia representativa tem de ser melhorada com uma componente de democracia participativa. Agora, acredito que o sistema não quis que um independente pudesse liderar a casa da democracia, transformando-a, como eu a entendia, em casa da cidadania. Com projectos que não vale a pena eu estar agora aqui a especificar, mas que tinha em mente e nos quais estava disposto a empenhar-me. É um processo acabado. Fiz o que tinha a fazer, não estou arrependido.

Eu acho que chegou o tempo de afirmarmos, alto e bom som, que o crescimento económico no mundo possivelmente atingiu o seu clímax.

 Não quer falar desses projectos?

Não, não quero… Já passou o tempo, remeti-me ao silêncio. É assim que tem de ser. Gosto muito da Dra. Assunção Esteves. Acho que é uma pessoa que está bem no que faz. Tem o seu percurso, que eu respeito. Só quem não me conhece é que poderia pensar que eu estaria agora a lançar bitaites ou conselhos.

Na altura houve quem perguntasse: porque é que o Fernando Nobre não aceita um lugar como ministro dos Negócios Estrangeiros, ou da Saúde? Porque é que quer a Assembleia da República, que é um cargo simbólico? …

Aceitei um desafio que me pareceu suficientemente aliciante para eu ousar voltar à luta política depois do meu percurso individual de candidato presidencial. Foi esse desafio que me foi lançado, foi esse desafio que eu abracei e mais nenhum.

Entendi que a classe política portuguesa não estava pronta para me aceitar.

 Disseram-lhe que era inexperiente a nível político. O que é que aprendeu desta experiência política?

Aprendi a conhecer ainda melhor os homens e as mulheres. Aprendi a ver quem são os meus verdadeiros amigos e quem não são… Aprendi, sobretudo, que isso é tudo efémero, é tudo passageiro. É tudo, ao fim ao cabo, irrelevante. A grande política, a verdadeira política, aquela que deixou marcas na humanidade, é a política dos afectos, do amor.

 Foram muitos os que se revelaram inimigos?

Eu não os apelidaria de inimigos. Visões divergentes da minha.

 Parece-me um pouco desiludido quando fala da política…

Não… Desiludido, não. Estou muito preocupado com o andamento da Humanidade em si. Sinto que, possivelmente, não teremos tempo para reformular um projecto de sociedade que não se faz de um dia para o outro. Por outro lado, como apaixonado por História que sou, e minimamente conhecedor, acredito que as revoluções são quase sempre autofágicas, destrutivas.

A grande política, a verdadeira política, aquela que deixou marcas na humanidade, é a política dos afectos, do amor.

 O balanço foi positivo, então?

Muito positivo. Tanto é que, sempre que fui a votos, o povo português deu-me votações expressivas. Nunca me esqueço que, na noite eleitoral, quando telefonei ao Professor Cavaco Silva, para o felicitar pela vitória, ele me disse que nessa noite tinha havido dois vencedores – ele, reeleito, e eu, pelo resultado que tive. Fiz o que tinha a fazer, demonstrando, com imensos riscos e dificuldades, que era possível a cidadania ousar lutar por lugares cimeiros. Fiz o meu dever…

 Lugares cimeiros… Deputado não?

Não, porque entendo que a minha função seria de tentar transformar o Estado. E o Estado é transformável – todos nós o podemos transformar – mas acho que alguns lugares admitem uma transformação muito mais profunda. E era essa que eu almejava.

 Sim, mas quando disse, naquela entrevista ao Expresso, que recusava ser deputado…

O que foi escrito foi escrito. Assumo. O que eu quis dizer é que eu fui convidado com um propósito. Não fui convidado para ser deputado. Não fui convidado para ser ministro. Eu fui convidado para liderar o distrito de Lisboa e, se o PSD ganhasse as eleições, ser proposto para presidente da Assembleia da República. Eu fui convidado, pelo Dr. Pedro Passos Coelho, para ver se, pela primeira vez na História da República Portuguesa, um independente chegava a presidente da Assembleia da República, coisa que nunca aconteceu.

 Considera voltar à política?

Não… O futuro a Deus pertence. Não sei o que me poderá acontecer daqui a um ano: se estou vivo se estou morto; se tenho um cancro se não tenho. Tenho visto morrer amigos da minha idade… Mas acho que fiz os desafios que eu deveria ter feito. Foram desafios colossais.

Entendo que a minha função seria de tentar transformar o Estado.

Não está numa travessia no deserto…

Não, de todo. Não, não. Estou super activo, dinâmico…

 Estou a falar a nível político…

Estou activo em termos de política social e humanitária. Não estou activo em termos de política partidária, mas nunca estive. Estou e vou continuar a estar muito atento ao que se passa, não só no nosso país, mas no mundo inteiro. Estarei sempre ao serviço dos portugueses, de Portugal e da Humanidade.

 Estamos à beira de uma nova ordem mundial?

Nós estamos no olho do furacão e porque estamos no olho do furacão não vislumbramos a sua amplitude. Estamos a viver um fim de ciclo e, por isso, vamos ter de encontrar um novo. O modelo de desenvolvimento actual esgotou. O que virá, depois disso, veremos. Mas algo vai ter de surgir…

Não quer tentar antecipar?

O que eu vislumbro está presente no meu livro Humanidade, sobre o despertar da cidadania global. Acho que isso vai ser fundamental para que os cidadãos possam evoluir, para que os erros feitos no regime que agora finda não se repitam e para que as desigualdades, que se aprofundaram de forma tão brutal, não continuem.

 Mas está optimista?

 Eu costumo dizer que a esperança é a última a morrer. Estou optimista, sim. Acredito que ainda vamos a tempo. Agora não sei se eu viverei tempo suficiente para ver essa tal mudança. Pode levar uma geração a concretizar-se.

7' 48''