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Reporter. Writer. Radio and multimedia producer  | Currently in Lisbon, Portugal  | Updating...


Gustavo Bom e Reinaldo Rodrigues/ Global Imagens

A vez delas: Catarina Martins e Assunção Cristas

 

Bernie Sanders é mais feminista do que Hillary Clinton

Gustavo Bom/Global Imagens
Gustavo Bom/Global Imagens

Depois de integrar a liderança bicéfala do Bloco de Esquerda, Catarina Martins afirmou-se como líder do partido e conquistou meio milhão de votos nas últimas legislativas. Foi escolhida como uma das 28 personalidades que estão a agitar a Europa e escrutinada pela mudança de visual, pelas opções de maquilhagem, pela postura e pela voz. Aos 42 anos, mães de duas filhas, Catarina Martins descobriu que o «clube de rapazes» que ainda é a política aceita mulheres que já provaram o seu valor. Mas continua convencida de que elas têm de trabalhar o dobro para lá chegar.

Apesar de a Hillary Clinton afirmar publicamente uma agenda pelos direitos das mulheres e das crianças, penso que isso não corresponde às políticas que ela pratica ou aquilo que ela representa na política americana. A Hillary apoiou bombardeamentos e guerras em retaliação ao 11 de setembro, tem relações com a Arábia Saudita. Faz parte de um sistema opressor que em boa parte é opressor com as mulheres.

A candidatura da Hillary, já de si simbólica por nunca antes ter havido uma mulher candidata à presidência dos EUA nos principais partidos, passou a ter um simbolismo ainda maior – é uma mulher a concorrer contra um misógino. Pela situação degradante de ser candidata contra um candidato chamado Donald Trump, que além de representar o pior da política selvagem, imperial e neoliberal, é um homem que acha que as mulheres não valem nada, tem de ser apoiada.

Mas acho que as mulheres precisavam mesmo era de uma feminista. Muitas feministas americanas estavam do lado do Bernie Sanders, que é mais feminista do que a Hillary, na minha opinião. O Sanders compreende as causas estruturais da desigualdade e sabe que a meritocracia não é suficiente para facilitar a vida às mulheres. Uma mulher não feminista não vai utilizar o espaço político para promover a igualdade porque acaba por ser portadora de uma utopia liberal que acredita que pela meritocracia as mulheres acabarão por se afirmar. O facto de haver algumas mulheres muito bem-sucedidas não nos diz nada sobre as reais condições da desigualdade. Ninguém está a ver a Hillary Clinton levantar-se a favor da emancipação das mulheres na Arábia Saudita. O que é que a Angela Merkel e a Margaret Thatcher fizeram pela igualdade entre homens e mulheres? Pelo contrário, as suas ações políticas – a desregulação do mercado de trabalho, o enfraquecimento dos serviços nacionais de saúde – tendem a desproteger quem já está mais desprotegido e a cavar fossos de desigualdade. As mulheres que já estão em situação precária ficam numa situação mais precária ainda.

Ainda assim, apesar de discordar profundamente das posições políticas da Hillary Clinton e de estarmos em pontos opostos a nível ideológico, só um cego não vê que ela sofre ataques por ser mulher. Tenho várias críticas para lhe fazer, mas não ao nível das características pessoais, área em que ela costuma ser muito atacada. Um homem que seja capaz de se reinventar tanto como ela se reinventou não é considerado um homem frio, mas sim uma grande cabeça política. E a Hillary é de facto uma grande cabeça política. Num homem, uma carreira semelhante seria considerada estrondosa. Mas as mulheres têm de ser recatadas, como a esposa do Temer.

Aconteceu o mesmo com a Manuela Ferreira Leite que foi muito atacada por ser mulher. Mais uma vez: politicamente, tudo me afasta dela. Mas acho que ela teve muita coragem. Foi atacada por ser fria e má, por ter negociado, por ter cedido, como se não tivesse ideia do que estava a fazer no PSD. Os estereótipos todos. E, como se viu, aqueles que a substituíram estavam muito menos preparados do que ela.

Passado aquele período a seguir às eleições em que se tentou justificar os resultados por tudo menos pela política, sinto que o paternalismo com que fui tratada se dissipou um pouco. Continuo a sentir, de forma geral, que tenho de me esforçar mais e de trabalhar mais do que os meus colegas homens. Quando um homem erra foi porque lhe correu mal. A mulher é uma tonta. Mas agora que me provei fiquei relativamente salvaguardada. Acontece assim com mulheres na liderança – são temporariamente recebidas no clube dos rapazes. É claro que continuo a receber comentários do tipo: «Tem um corte de cabelo novo…»

Admito que por vezes adquiro certas características masculinas para não ser atacada. Eu tenho o problema da voz, como muitas mulheres. Uma mulher não se pode irritar porque se fizer isso é considerado histeria. No homem é visto como exaltação, mas na mulher é muito negativo. Eu tento vigiar o tom agudo da minha voz no meio de uma discussão. Não é algo racional, não gosto de o fazer, mas tenho noção de que o faço para me proteger.

Será que Hillary seria candidata se não tivesse sido primeira-dama?

Reinaldo Rodrigues/Global Imagens
Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

Assunção Cristas diz ser uma mulher e mãe primeiro, líder do CDS depois. Antes de chegar à política, ignorava a diferença entre homens e mulheres. Agora reconhece-a, mas diz que é uma vantagem. Não a incomoda que as atenções se virem para as mudanças de visual ou para o facto de ter sido a primeira ministra grávida em funções. Apenas lamenta que não deem a mesma atenção aos políticos que são pais. Insiste neste ponto: as mulheres não podem ter tudo, mas os homens também não.

Se fosse americana provavelmente votaria na Hillary Clinton, apesar de o CDS ter uma ligação ideológica mais forte com o Partido Republicano. Este ano, pela primeira vez, o CDS não se fez representar na convenção republicana por achar que não fazia sentido apoiar um candidato como Donald Trump. Mas votaria na Hillary também por ser mulher. Acho que o facto de ela ser candidata dá um sinal às meninas que estão na escola, diz-lhes que este é um caminho, que não há qualquer impossibilidade de elas um dia serem presidentes. Ainda que nos possamos perguntar: «Será que ela seria candidata se não tivesse sido primeiro a mulher do presidente?» É certo que o percurso profissional dela é intenso, mas a primeira mulher americana candidata é também uma antiga primeira-dama.

Hillary apresenta-se como mãe e avó e eu compreendo-a. Antes de estar na política escrevia sempre nos meus currículos que era casada e mãe de três filhos. É assim que me vejo. Não tenho nenhuma dúvida sobre o facto de a família ser a minha prioridade. Mas sei que isto causa estranheza. No último congresso do CDS levei a minha família e houve quem comentasse que o fazia por propaganda. Sempre o fiz. Levava as crianças para as feiras agrícolas porque era uma forma de passar tempo com eles aos fins de semana. As viagens demoravam três ou quatro horas e aproveitava esses momentos para pormos a conversa em dia. Quando me perguntam como consigo conciliar a vida familiar e a política respondo sempre que tenho um bom marido. Gostava de saber se fariam essa pergunta ao Bill Clinton. Se eu fosse homem teria as mesmas preocupações. Mas para um homem é mais negativo levar a família atrás.

Há uns tempos uma antiga assessora da Hillary, Anne-Marie Slaughter, escreveu um livro em que defendia que as mulheres não podiam ter tudo. Achei isso muito injusto porque acho que os homens também não podem ter tudo. Para um homem é mais fácil dizer que chegou atrasado porque levou o carro à revisão do que justificar-se com a necessidade de levar um filho ao médico. Um homem que tem esse tipo de preocupações é visto como fraco. Existe muito preconceito para o lado do pai também. O meu objetivo é trabalhar para que todos possam ter tudo, para que a vida pública e a vida privada não sejam incompatíveis.

Lembro-me de aos 14 anos discutir acaloradamente com o meu pai – que durante um período acabou por estar mais tempo em casa com os cinco filhos do que a minha mãe – porque ele aconselhava as quatro filhas a serem independentes. «É tudo muito bonito com os homens, mas se as coisas correrem mal quem fica com os bebés no colo são as mulheres», dizia ele. Eu irritava-me, não me conformava com isso. «Os filhos são dos dois», respondia-lhe. E ele encerrava a questão com uma resposta simples: «Enquanto forem as mulheres a dar à luz vai ser assim.»

Antes de vir para a política não tinha reparado que ser mulher era relevante. Na academia nunca senti isso. Mesmo em Direito, onde havia um grande predomínio dos homens. Fiz o doutoramento sem sentir qualquer diferença. Quando cheguei à política percebi que ser mulher era diferenciador porque há poucas. Mas acho que essa diferença foi sempre valorizada de forma positiva. Sobre a ideia de que as mulheres têm de trabalhar o dobro dos homens para provarem o valor não sei pronunciar–me. Trabalho sempre o máximo que posso e não perco tempo a ver se os outros trabalham mais ou menos. E também não me incomoda nada que se foquem nas questões da mudança de visual ou na gravidez. Esses comentários são os expetáveis na nossa sociedade que é muito mais exigente em relação às mulheres – as meninas querem-se bonitas, vaidosas e arranjadas. Mas talvez isso um dia mude – ou passamos a olhar assim para os homens ou deixamos de olhar assim para as mulheres. Quanto à gravidez, digo apenas que depois de eu estar grávida, o secretário de Estado da Agricultura José Diogo Santiago Albuquerque foi pai e andava desconsolado. «De mim ninguém quer saber», dizia ele.

Não sei se sou feminista, mas não tenho dúvidas de que as mulheres são as mais afetadas quando há desigualdades, nas remunerações, no facto de o trabalho doméstico recair mais sobre elas. Acho que a igualdade de género é muito importante para promover a própria família. Para recuperarmos os índices de fecundidade temos de ter uma maior partilha de papéis entre pai e mãe. Se tivermos uma sociedade mais equilibrada a esse nível, o resto acontece como consequência.

Na política estamos num momento em que é preciso ainda dar oportunidades às mulheres para que possam ser notadas. A forma como se recruta penaliza-nos. Numa reunião com dezenas de pessoas, normalmente são os homens que mais facilmente vão ao palco e pegam no microfone. As mulheres ficam para segundo plano. Mas acho normal que os homens puxem os homens – não vejo isso como algo pensado, mas sim como algo que acontece naturalmente.

Como tenho dois filhos e duas filhas, sou favorável a quotas e leis da paridade por causa delas. Mas quem sabe se no futuro não terei de defender quotas semelhantes por causa deles. A dada altura temos de ter cuidado com o inverso. Mas estamos muito longe disso neste momento.

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