BERLIM, Alemanha – Por volta das 19h00, muitos dos alemães que se reuniram nas Portas de Brandeburgo começaram a olhar para o relógio. O presidente da Câmara de Berlim, Klaus Wowereit, tinha anunciado que os 8.000 balões que desde sexta-feira criaram uma “fronteira luminosa” no local por onde antes passava o muro seriam soltos a essa hora. Mas nada aconteceu. Então, Mikhail Gorbachev libertou o primeiro balão. E, 25 anos depois, o muro luminoso desfez-se no céu nublado de Berlim.
“Gorbi, Gorbi!” Assim que o rosto do antigo líder da União Soviética apareceu nos ecrãs gigantes instalados junto ao palco, milhares de pessoas aplaudiram e festejaram, gritando, em coro, o carinhoso diminutivo.
Peter Gabriel, que minutos antes tinha iniciado os festejos nas Portas de Brandeburgo cantando uma versão de “Heroes”, de David Bowie, não teve direito a tamanha demonstração de afeto.
Os berlinenses também aplaudiram Klaus Wowereit, o presidente que esteve à frente da cidade nos últimos 13 anos, mas que apresentou a demissão em agosto, devido aos atrasos no projeto do aeroporto Berlim-Brandenburg, e que fez um curto discurso no final da tarde de domingo. “Os muros de cimento, bem como os muros que existem nas nossas cabeças são ultrapassáveis quando as pessoas se juntam e tomam o destino nas suas mãos”, disse o autarca que no mês de dezembro abandonará o cargo.
Numa noite de reinterpretações da História, houve mais um momento simbólico. A Orquestra de Berlim tocou a Nona Sinfonia de Beethoven, numa alusão aos concertos conduzidos por Leonard Bernstein em Berlim. O maestro, que acreditava que a música podia ajudar a unir uma cidade e um país partidos ao meio durante quase três décadas, juntou uma orquestra composta por músicos dos quatro países que depois da Segunda Guerra Mundial partilharam a cidade entre si – EUA, Rússia, Reino Unido e França – e dirigiu-a em dois concertos no Natal de 1989.
Muitos dos que assistiram à festa deste domingo fizeram-no do lado oposto àquele onde se encontravam há 25 anos. Como o casal Andreea, 48 anos e Heike, 52, que em 1989 viviam em Berlim leste. “Tudo mudou”, diz Heike. Para Andreea, essa mudança permitiu-lhe ter o “emprego de sonho”, ser designer gráfica, algo que, considera, nunca poderia ter feito na República Democrática Alemã (RDA).
Maik Kaden, 46 anos, também vivia do lado de lá das Portas de Brandeburgo. Mas, na altura da queda do Muro, estava a cumprir o serviço militar e não se encontrava em Berlim. “Fiquei triste por não estar aqui naquela noite”, diz. O amigo, Peter Gebühr, 40 anos, vive na capital alemã, mas há 25 anos estava em Suhl, uma cidade na antiga Alemanha de Leste. Lembra-se de, no dia seguinte, ir para a escola e ouvir das professoras, incrédulas: “Isto é só um sonho. A RDA vai viver”.
Durante a tarde deste domingo, houve manifestações em vários pontos da cidade de Berlim que, de uma forma geral, criticavam a espetacularidade das celebrações dos 25 anos da queda do muro. Em Alexanderplatz, antigo centro da Berlim leste, um grupo de algumas dezenas de pessoas – que transportavam bandeiras do Partido Comunista Alemão e símbolos soviéticos e da RDA – protestaram contra o que consideram o rumo bélico da Alemanha unificada.
“Estamos aqui para mostrar que as consequências da queda do muro não são apenas positivas, mas também implicam que a agressão alemã está a crescer. Não há restrições dos Aliados. A Alemanha tem interesse na guerra e na agressão militar”, disse Livia, 27 anos, uma das berlinenses responsáveis pelo protesto.
Na zona da East Side Gallery, uma galeria de arte ao ar livre situada no lado leste do antigo muro de Berlim, alguns ativistas urbanos protestaram numa rave com música techno contra a venda de terrenos nesta parte da cidade e a consequente destruição de parte do muro que ali se encontra conservada. Um dos organizadores desta manifestação, Dr. Motte, um conhecido DJ berlinense e um dos fundadores da Love Parade, explicou ao Observador que estes ativistas tentam lutar contra a privatização de terrenos públicos para construção de “condomínios de luxo” e para a instalação de grandes multinacionais. “Se eles me tiram as raízes”, disse, apontando para um pedaço do muro, “fico sem raízes”.
O slogan deste protesto – que decorria ao mesmo tempo que crianças e turistas saltavam em trampolins instalados junto a uma secção do muro para assim conseguirem subir à barreira de betão e posarem para a fotografia, imitando imagens icónicas de há 25 anos – era este: “O Muro tem de ficar”.