Eid Jahalin construiu o colonato de Maaleh Adumim, um dos maiores na Cisjordãnia, com as próprias mãos. A uns curtos 20 minutos de carro de Jerusalém, é uma cidade onde as palmeiras e os edifícios pré-fabricados brotam do solo em série. Com as suas 15 escolas, os 78 jardins de infância, a sua livraria, o seu teatro, os seus 41 mil habitantes e o seu cemitério recém-inaugurado, este colonato fundado em 1975 parece-se com qualquer zona suburbana ou cidade média portuguesa, onde os habitantes levam vidas em geral pacatas. É fácil esquecer que tecnicamente estamos num espaço ocupado de forma temporária na Cisjordânia para dar resposta a necessidades militares, tal como foi anunciado quando o Governo Israelita tomou o controlo da zona. A grande maioria dos habitantes usa o colonato como cidade dormitório, deslocando-se diariamente para Jerusalém, onde trabalha. Mas no próspero parque industrial do colonato trabalham 4000 palestinianos. Até 2009, Eid Jahalin era um deles. O beduíno palestiniano diz que quando os israelitas descobriram que estava envolvido na criação da escola de Khan al-Ahmar, a comunidade onde vive, e que está cercada pelos colonatos de Maaleh Adumim e Kfar Adumim, não voltou a encontrar trabalho. Desde então, Eid Jahalin, formado em contabilidade e líder informal da comunidade, passa grande parte dos dias na sua tenda, bebendo shots de café instantâneo. Mas recentemente, Eid Jahalin tem estado ocupado.
Nos primeiros meses da nova administração norte-americana, Israel anunciou a construção de milhares de novas construções em colonatos na Cisjordânia e aprovou um diploma que visa a legalização retroativa de habitações israelitas construídas em terrenos privados palestinianos na Cisjordânia. Todas estas movimentações foram vistas como uma forma de Israel testar o presidente Trump, que apesar de ter declarado a intenção de mediar o “acordo final” no conflito, tem tomado posições que favorecem Israel. Um desses supostos testes é particularmente ambicioso por visar um território que palestinianos, ativistas israelitas e a comunidade internacional consideram vital para a paz entre os dois povos e que no imediato afeta diretamente Eid Jahalin e a sua comunidade. No início de janeiro, o ministro da Educação israelita e líder do partido de extrema-direita Casa Judaica, Naftali Bennett, anunciou a intenção de apresentar uma lei que anexe formalmente o colonato de Maaleh Adumim ao Estado de Israel. A concretizar-se, seria a primeira anexação de um colonato em 50 anos de ocupação israelita da Cisjordânia. Muitos palestinianos e ativistas israelitas consideram que seria também a primeira de muitas anexações na Cisjordânia, onde há mais de 400 mil colonos judeus. Os planos israelitas para expandir Maaleh Adumim, construindo numa zona de importância estratégica que liga o norte e o sul da Cisjordânia, estão suspensos há quase 20 anos por se considerar que a construção nesse local e a retirada dos cerca de 8000 beduínos que aí vivem iria acabar por impedir a ligação de Jerusalém leste a uma série de cidades palestinianas, inviabilizando assim qualquer hipótese de uma Palestina contígua. Aludindo ao papel dos beduínos desta área, Yasser Arafat chamou-lhes os “guardiões de Jerusalém”, numa referência à defesa de Jerusalém Leste, que os palestinianos reclamam como capital de um futuro Estado. Khan al-Ahmar é há muito um ponto central dessa discórdia, mas Eid diz que a pressão aumentou com a eleição do novo presidente dos EUA. Em fevereiro, o Exército israelita deu aos habitantes de Khan al-Ahmar quatro dias para demolir pelos seus próprios meios as casas e a escola, que serve 140 crianças provenientes das várias comunidades beduínas da zona. Nesse espaço de tempo, dignatários dos EUA e da União Europeia visitaram o local para condenar a situação. As ordens de demolição foram entretanto suspensas e os habitantes esperam a audiência do Supremo Tribunal sobre o caso da escola no dia 12 de junho. Muitos desses políticos ocidentais ter-se-ão cruzado com Eid Jahalin na sala de estar da sua tenda, ostensivamente decorada com autocolantes estampados com a bandeira da União Europeia, vestígios da ajuda humanitária que chegou de Bruxelas e uma fotografia em que o beduíno aparece lado a lado com o antigo presidente do Parlamento Europeu. Se o fizeram, Jahalin ter-lhes-á certamente contado a história desse encontro.“Disse a Martin Schultz que a destruição de Khan al-Ahmar era o fim da possibilidade dos dois Estados e ele garantiu-me que cada um dos seus 750 deputados iria ouvir isso. Desde então guardo essa fotografia para os europeus verem que o seu líder esteve aqui a apoiar-nos. Acho que é por isso que a União Europeia gasta tanto dinheiro aqui, apesar de não contar para nada. Só os EUA podem de facto fazer alguma coisa, mas o Trump é maluco”, diz.
Pouco depois de tomar posse, Donald Trump disse que não iria insistir na solução dos dois Estados, rompendo com a posição oficial da Casa Branca para o conflito Israelo-Palestiniano desde os acordos de Oslo, quando, sob mediação de Bill Clinton, o primeiro-ministro israelita Isaac Rabin e o presidente da Autoridade Palestiniana Yasser Arafat se comprometeram a unir esforços para alcançar a paz. Desde que Clinton disse, no final do seu último mandato, que o conflito nunca ficaria resolvido “sem um Estado palestiniano viável e soberano”, que tanto Bush como Obama adotaram a solução dos dois Estados como modelo. No final da visita do primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu a Washington, Trump disse estar a explorar as duas opções, – um Estado ou dois Estados – acrescentando que “ficaria feliz com a solução que satisfaça ambos os lados”. A declaração inédita do presidente norte-americano virou as atenções da comunidade internacional para uma transformação que está há já algum tempo em curso no Médio Oriente e da qual os planos para anexar Maaleh Adumim a Jerusalém são o sintoma mais visível. Muito antes de Trump, o compromisso dos dois Estados em Israel e nos territórios ocupados foi totalmente abandonado por parte de alguns ou passou a ser visto como uma promessa que jamais será cumprida por outros, frustrados com a impossibilidade de resolver o conflito, 50 anos depois do início da ocupação militar israelita dos territórios palestinianos, desencadeada com a Guerra dos Seis Dias, em junho de 1967. Do lado israelita, Netanyahu tem de lidar com a pressão crescente dos seus parceiros de coligação nacionalistas, que gostariam de ouvir o primeiro-ministro recusar publicamente o seu compromisso com a solução dos dois Estados e desejam a anexação de certas partes da Cisjordânia. A Autoridade Palestiniana enfrenta o problema da liderança do Hamas em Gaza, que recusa reconhecer o Estado de Israel. No dia 1 de maio, o grupo alterou pela primeira vez o programa político, aceitando um Estado palestiniano limitado às fronteiras de 1967. Apesar de uma sondagem recente, realizada pela Universidade de Telavive e o Centro de Investigação Política de Ramallah, indicar que essa ainda é a solução desejada por 55% dos israelitas e 44% dos palestinianos, quer em Israel quer nos territórios palestinianos, a expressão “dois Estados” é recebida com uma disposição equivalente a um encolher de ombros motivado pelo cansaço ou com esgares céticos. A tradução dessas atitudes parece ser só uma: a criação de um Estado palestiniano é cada vez mais uma miragem.
O pior momento para os palestinianos?
As declarações do novo presidente norte-americano foram suficientemente amplas para quebrar o status-quo dos últimos 20 anos, mas assinalaram também uma moderação da postura de Donald Trump, que no mesmo encontro pediu a Netanyahu “um pouco de contenção” na expansão dos colonatos. Durante a campanha, Trump prometeu uma política mais pró-Israel e pró-colonatos do que o seu antecessor Barack Obama. Antes do encontro com o primeiro-ministro israelita, a Casa Branca já tinha dado sinais dessa mudança de tom quando divulgou um comunicado em que se lia que apesar de os colonatos não constituírem uma ameaça à paz, a construção de novos colonatos ou a expansão dos colonatos existentes “pode não facilitar esse objetivo”. Apesar disso, o governo israelita anunciou no final de março e pela primeira vez em mais de duas décadas, a criação de um novo colonato na Cisjordânia, perto da cidade de Nablus. O anúncio cumpre a promessa de compensação feita por Netanyahu às 50 famílias que tiveram de abandonar o colonato de Amona depois de o Supremo Tribunal de Israel ter decidido que tinha sido construído em terra palestiniana privada e que por isso teria de ser demolido. Mas a Casa Branca não condenou abertamente o governo israelita.
Os ativistas pela paz com quem falámos dizem que a mudança política no sentido de um maior apoio à expansão dos colonatos e à anexação intensificou-se nos últimos meses, mas começou muito antes de Trump. Roy Yellin, do grupo de direitos humanos israelita B’Tselem, e Rami Saleh do Jerusalem Legal Aid and Human Rights Center (JLAC), dizem que 2016 foi o pior ano de sempre em termos de demolições de casas palestinianas na Cisjordânia, apontando um total de 274 casas demolidas. Roy Yellin teme que 2017 venha a ser ainda pior, uma vez que entre janeiro e fevereiro já foram demolidas 11 casas. Logo no início de março, Khaled Memar Mahmoud, 43 anos, foi surpreendido quando a meio da noite os bulldozers israelitas destruíram o edifício com dois apartamentos que construiu para si e para a família da filha mais velha em Isawiyya, Jerusalém leste. Khaled e a mulher, Nareeman Mahmoud, garantem que não foram avisados da ordem de demolição, tendo apenas tempo de sair sem resgatar mobílias ou os manuais escolares do filho Ahmad, de 13 anos. Disseram-lhes que o edifício estava construído em cima da estrada e que tirava a visibilidade dos colonos que vivem nas colinas opostas. Além do mais, e isso já sabiam, a construção, tal como tantas construções palestinianas em Jerusalém Leste e na Cisjordânia, era ilegal. As licenças que permitem construções palestinianas são caras e o processo para obtê-las é moroso. Então, em Isawiyya, como no resto dos territórios ocupados, os palestinianos constroem as suas casas ilegalmente. Enquanto Ahmad se aventura no topo dos escombros, de onde se avistam pedaços de tapetes, restos daquilo que parece ter sido um móvel aparador e um frigorífico, uma das filhas de Nareeman e Khaled retira de entre as vigas de betão uma tábua com versículos do Corão. É a terceira vez que a família Mahmoud perde a casa no mesmo local.
Apesar de as demolições de casas palestinianas e as construções nos colonatos serem realidade há muitos anos, Yehuda Shaul, cofundador da organização não governamental fundada por ex-soldados para denunciar crimes cometidos contra palestinianos que vivem sob ocupação israelita Breaking the Silence, diz que este é provavelmente “o momento mais duro” de que tem memória para a possibilidade de reconhecimento de um Estado palestiniano. “Neste momento no terreno as grandes tendências são a expansão dos colonatos, a lei que aprova retroativamente os colonatos na Cisjordânia e a deslocação de palestinianos em Jerusalém Leste e no Vale da Jordânia. A nível político há um crescente apetite pela anexação sem igualdade de direitos, ou seja, por um Estado de apartheid, é isso que a direita está a incentivar”, diz. Para este fundador da organização Breaking the Silence, que tem sido alvo de propostas de ministros de Netanyahu que querem banir os ex-soldados de darem palestras em escolas, na prática Israel “é já um Estado com dois regimes – do lado israelita uma democracia civil, do lado dos territórios ocupados, uma ditadura militar”. E isso é anterior a Trump e existia já antes de Netanyahu e do Likud, quando o partido Trabalhista estava no governo, diz. A situação internacional com a guerra na Síria, a crise dos refugiados, a divisão da União Europeia e agora a eleição de Donald Trump têm condenado a causa palestiniana ao esquecimento, continua. Roy Yellin, do grupo B’Tselem, concorda, mas acrescenta: “este Governo é muito mais aberto e arrogante sobre coisas que antes eram feitas de forma silenciosa”. Há cerca de um ano Netanyahu formou o governo mais à direita na história de Israel ao coligar-se com o partido ultra-nacionalista Yisrael Beiteinu de Avigdor Liberman, ele próprio um colono, escolhido para ocupar o segundo cargo mais importante do país, o de ministro da Defesa. A pressão dessa direita reflete, segundo Yehuda Shaul, uma mudança de fundo na elite dominante israelita. “Nos últimos 20 anos, Israel passou por um processo de mudança de elites. A velha elite que construiu o Estado – os liberais sionistas, os sionistas socialistas, os membros dos kibbutz – está de fora agora. As instituições do Estado estão a ser tomadas pelas comunidades religiosas. Na sociedade em geral essas pessoas têm um peso reduzido, mas no coração do Estado, no Exército, naquilo que conta, elas estão desproporcionalmente representadas”, diz.
O rabino Yehiel Grenimann, da organização Rabinos pelos Direitos Humanos e filho de polacos sobreviventes do holocausto que emigraram para Israel nos anos 70, foi uma peça-chave na construção da escola de Khan al-Ahmar. Olhando para as mudanças na sociedade israelita, o rabino aponta a sua própria transformação – “de sionista convicto a sionista confuso” – e diz que é necessário olhar com atenção para as novas dinâmicas entre os jovens israelitas. “Estes jovens cresceram durante a segunda intifada e ficaram traumatizados. Acham que é necessário ter mão de ferro, exercer controlo, não vêm os dilemas de paz da mesma forma que a geração mais velha viu”, diz
Apartheid? Novo hino, nova bandeira?
A solução de um Estado significa coisas diferentes para diferentes grupos, como lembra Yehuda Shaul. “Para a direita, a oficialização de um Estado único significa a imposição de um Estado de apartheid. Imaginar que Israel se vai dissolver e vai passar a garantir igualdade de direitos a todos não tem qualquer ligação à realidade. No lado palestiniano aqueles que falam de um Estado fazem-no porque estão cansados ao fim de 50 anos de ocupação. Algumas pessoas na esquerda radical – no lado israelita e no lado palestiniano – defendem que um Estado único é possível porque não acreditam no nacionalismo. Mas esses são uma minoria”, diz o cofundador do grupo Breaking the Silence.
Nessa minoria há quem esteja convencido de que é possível unir esforços para criar um único Estado de paz, sem vestígios de apartheid, possivelmente com um novo nome, um novo hino, uma nova bandeira. Um Estado baseado na igualdade de direitos entre israelitas e palestinianos onde os conflitos do passado fossem deixados no passado. E há, nos dois lados, quem garanta estar já a trabalhar nesse sentido.
Sami Awad é o sobrinho de Mubarak Awad, mais conhecido como “Gandhi palestiniano”. Antes de ser expulso de Israel em 1988, Mubarak Awad criou, em Jerusalém, o Centro Palestiniano para o Estudo da Não Violência, com o objetivo de incentivar a resistência pacífica contra a ocupação israelita na Cisjordânia e em Gaza. Awad ensinou muitos palestinianos a protestar de forma pacífica, através do não pagamento de impostos, do boicote a produtos israelitas, da plantação de oliveiras nas terras disputadas. Seguindo o exemplo do tio, o jovem Sami tornou-se tão ativo na intifada que os pais o enviaram de volta para os EUA, onde tinha nascido. Depois de concluir os estudos, Sami regressou a Israel, interessado pelo processo de paz desencadeado com Oslo. Em 1998 começou a segunda intifada e Sami quis continuar a promover a resistência pacífica, defendendo a solução dos dois Estados. Mas nos nos últimos anos, diz, teve de se confrontar com “o falhanço de Oslo” porque os acordos, defende, “foram inteiramente motivados pelo medo”. “A narrativa de fundo de Oslo é a narrativa que tanto a esquerda como a direita israelita seguem. A voz que a direita segue diz: ‘O palestiniano mata-te se puder. Melhor matá-lo antes ou fazer-lhe a vida tão miserável que ele não pode se quer pensar matar-te’; A voz que influencia a esquerda ouve algo semelhante: ‘Ele vem matar-te. Porque não fazemos um acordo de paz com ele para que prometa não nos matar?’”, diz Sami. Para o palestiniano, estas narrativas deixam pouco espaço à compreensão dos ódios que movem o outro, condição fundamental, defende, para a paz. Desde então, Sam tem tentado que palestinianos e judeus desenvolvam essa mesma curiosidade. No seu trabalho com grupos considerados radicais dos dois lados, Sami apercebeu-se de que os dois extremos têm algo em comum – ambos desejam um Estado apenas. Então, o ativista atreveu-se a fazer a pergunta: ‘Será possível honrar um palestiniano que quer isto tudo só para ele e ao mesmo tempo honrar um judeu que quer isto tudo só para ele?’ Sami Awad acha que a resposta a essa questão é afirmativa, mas diz que isso só será possível após um processo de educação e de cura. E mais, defende que seja qual for a solução – um Estado, dois Estados – é provável que o enquadramento encontrado na região não se enquadre na noção ocidental de Estado. É nesse sentido que Sami Awad se afasta da solução dos dois Estados, tal como ela foi pensada em Oslo, tendo o cuidado de não se comprometer com o apoio a um único Estado. Mas de uma coisa este palestiniano tem a certeza: o compromisso de Oslo chegou ao fim.
No seu trabalho com comunidades com visões opostas sobre o conflito, Sami Awad cruzou-se com Yehuda HaKohen, auto-proclamado radical israelita. Este judeu de 37 anos nasceu em Nova Iorque, mas tem passado os últimos anos a “criar povoados na Cisjordânia e em Jerusalém Leste para lutar contra a divisão do país”. Ou seja, Yehuda HaKohen opõe-se totalmente à solução dos dois Estados, considerando esse compromisso uma interferência abusiva da comunidade internacional e que pode significar o fim da possibilidade de os judeus viverem em territórios centrais para o seu povo naquilo a que chama Judeia e Samaria (Cisjordânia). A mesma comunidade internacional diria que Yehuda é um colono e consideraria ilegal a sua atividade de colonização da terra ocupada na Palestina, mas Yehuda rejeita determinantemente esse termo. Yehuda HaKohen quer ocupar a terra, mas não quer expulsar as comunidades palestinianas que aí vivem e acha que se a solução dos dois Estados não estivesse se quer em cima da mesa o problema não se colocaria. Yehuda diz que o seu trabalho passa por construir confiança entre os dois grupos. “Quero pôr judeus radicais a falar com palestinianos radicais para se compreenderem mutuamente. O conflito vai ser resolvido entre aqueles que estão dispostos a viver e a morrer pela terra e não pela assinatura de um papel americano por diplomatas em Telavive e Ramallah”, diz. Yehuda tem uma proposta arrojada para a resolução do conflito. “Conquistámos muito com o sionismo, mas precisamos de um novo sionismo para o século XXI. Precisamos de aprofundar o caráter inclusivo do Estado judaico, com um foco nos valores que os judeus têm em comum com as populações do Médio Oriente, como a honra, o respeito e o nacionalismo no sentido não europeu do termo. Estou convencido de que os valores mais autênticos do judaísmo encaixariam melhor nesta região do que um Estado que está a tentar ser uma cópia do ocidente e dos Estados Unidos,” diz. E se esse processo fosse conduzido de forma equilibrada e sólida, diz, seria até possível substituir o hino nacional do Estado de Israel, Hatikvah, por uma canção em hebraico e em árabe que expresse valores que ambas as partes reconheçam como seus. Tal como seria possível substituir a bandeira azul e branca com a estrela de David. Mas antes disso, diz, é necessário curar décadas de ódio e violência. Das conversas a que tem assistido entre os chamados grupos radicais de ambas as partes, Yehuda diz que para os palestinianos é mais importante “viver em democracia com igualdade e dignidade totais” do que a ideia de um Estado nação, enquanto que para os judeus “a ideia de um estado nação é um dos temas centrais dos últimos 2000 anos”, diz. Por isso, avança, talvez posamos criar um “Estado profundamente judaico em que os palestinianos não notam que não são judeus e só sentem que vivem numa democracia”, diz, esquecendo que para os palestinianos a questão do Estado se tornou “central na identidade palestiniana durante os últimos 50 anos de ocupação israelita”, como lembra Sami Awad.
O rabino Yehiel Grenimann rejeita totalmente todas essas opções. “Continuo a querer os dois Estados. A cultura e a religião dos dois é muito diferente, mesmo que a etnia não seja. E além disso, Israel é muito diverso, tem emigrantes de todo o mundo, falantes de várias línguas. Sei que há colonos que querem a paz, já me apercebi de que estão a aprender árabe. Mas o ódio e o racismo existente neste país também são reais. Neste momento não há nenhuma solução para o conflito e na História já houve uma solução final. Não quero outra solução final para ninguém”, diz.
Enquanto Eid Jahalin e a sua tribo aguardam uma decisão sobre o destino da escola de Khan al-Ahmar, há uma família que dá os primeiros passos em Israel e no judaísmo, a poucos quilómetros dali, em Maaleh Adumim. Sasha e Lora venderam o apartamento que tinham em Kiev, cobriram as cabeças, – ele com um solidéu, ela com um tzniut – adotaram os nomes hebraicos Avraham e Liora e trocaram a Europa pelo Médio Oriente, o cristianismo ortodoxo pelo judaísmo. Sasha e Lora não eram judeus, nem se quer descendentes de judeus de terceiro grau, os critérios estabelecidos pela lei de retorno israelita que permite a judeus de todo o mundo emigrar para o Estado de Israel. Mas durante a visita uns amigos russos falaram-lhes da hipótese de conversão. “O processo é muito duro, mas se queres mesmo ser judeu e viver em Israel, tudo se encaixa como um puzzle”, diz Avraham Israel, 53 anos, olhos claros, brilhantes, atitude triunfante e relaxada. O rosto de um homem que encontrou o que procurava. Ou que sente estar no caminho certo. Nos primeiros meses, Sasha e Lora viverão de forma subsidiada pelo Estado israelita naquele colonato constituído por uma população essencialmente secular, atraída pelos preços de imobiliário mais baixos do que em Telavive ou Jerusalém. Mas o casal não tenciona ficar naquele colonato para sempre, como explica Sasha. “Sou sionista religioso. Quero ir para a Judeia e para a Samaria ocupar a terra ainda não ocupada e devolvê-la ao Estado de Israel”. Na sua declaração de intenções não há uma palavra sobre a paz ou qualquer alusão à convivência entre os dois grupos sob um novo hino e uma nova bandeira. Existe a promessa feita num livro religioso que conheceu há pouco tempo e um encolher de ombros que parece ignorar a promessa de décadas de um Estado palestiniano.