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Reporter. Writer. Radio and multimedia producer  | Currently in Lisbon, Portugal  | Updating...


Grécia dividida prepara-se para o referendo

ATENAS, Grécia – Guarda-chuvas coloridos, algumas bandeiras gregas e muito poucas bandeiras da União Europeia. Era esse o cenário avistado do topo de um dos edifícios que rodeia a praça Sintagma na terça-feira à noite, durante a manifestação pelo ‘Sim’ no referendo do próximo domingo, também anunciada como protesto pró-União Europeia.

“Acha que as pessoas que estão aqui guardam bandeiras em casa?”, pergunta uma mulher de meia-idade – pele muito bronzeada em contraste com a elegante camisa azul e o cabelo loiro e curto – esclarecendo a observação da jornalista sobre a paisagem atípica do protesto. “Nunca pensámos que teríamos de vir a uma manifestação”, continua. Outros manifestantes fizeram declarações semelhantes: “É a primeira vez que venho a uma manifestação”. Alguns no lado do ‘Não’ vêem esta inexperiência como a prova de que os protestos estão a ser organizados, não surgindo de forma espontânea nas redes sociais, como defende o ‘Sim’.

Há quem acuse patrões e empresários de chantagear trabalhadores, pressionando-os a juntarem-se em frente ao Parlamento. O protesto de terça-feira ocorreu um dia depois de os apoiantes do ‘Não’ se terem concentrado no mesmo local para apoiar o Governo Syriza. Esta sexta-feira, os dois lados preparam-se para novos protestos, separados por poucos metros. Alexis Tsipras vai discursar na Sintagma. Os apoiantes do ‘Sim’ reúnem-se junto ao Estadio Olímpico.

As sondagens mais recentes deixam adivinhar um cenário renhido, com o ‘Sim’ a liderar as intenções de voto por 44,8% e o ‘Não’ ligeiramente atrás com 43,4%. Nas ruas de Atenas, é possível sentir a divisão do povo grego e a raiva contra o lado oposto. A linha dessa divisão, visível nas manifestações da Sintagma, deixa, de um lado, aqueles que, de uma forma ou de outra, têm conseguido resistir à crise, e, do outro, todos os que sentem não ter mais nada a perder. E é também a divisão entre aqueles que querem a Grécia dentro da Europa e aqueles que querem a Grécia de fora.

“Primeiro sou europeu”

Angelos Pappas, 23, um recém-licenciado em Estudos Europeus que se define como “europeu em primeiro lugar e grego em segundo”, está preocupado com as bandeiras azuis e brancas que consegue avistar na manifestação a favor do ‘Sim’. “Não gosto daquilo que a bandeira grega passou a representar”, diz, referindo-se ao aumento do nacionalismo que deteta na sociedade grega.

Angelos Pappas diz que não se posiciona nem à esquerda nem à direita do espectro político e que aquilo em que verdadeiramente acredita são os “valores europeus”, que faz equivaler aos direitos humanos. Quando lhe perguntamos se os valores europeus estão a ser respeitados neste momento, diz que a União Europeia não está isenta de culpas na forma como tem conduzido as negociações com o Governo grego, mas atribui a responsabilidade da situação atual ao povo.

“Os gregos acham que são o centro do mundo. Eles acham que estão sempre certos e o resto do mundo está errado. Isto acontece por causa da nossa história. Culpamos os outros, mas não conseguimos admitir que a culpa é nossa, que demos cabo de tudo”, diz.

Antes de o jovem conseguir terminar o raciocínio, uma mulher de estatura baixa que veste um polo Ralph Lauren cor-de-rosa, interrompe-o, furiosa. “Sou uma grego-americana e não posso tolerar o que este jovem está a dizer. Esta posição é totalmente incorreta. Os gregos têm grandes comunidades no estrangeiro e têm uma mentalidade muito aberta”, diz à VISÃO Georgia Pappas, 56 anos, nascida numa família grega que emigrou para os Estados Unidos.

Georgia conta que decidiu voltar para a Grécia, onde vive há 30 anos. Durante todo esse tempo, nunca tinha estado presente numa manifestação. Até agora. “Estamos aqui porque queremos ficar na União Europeia e porque queremos pagar o dinheiro que devemos”, diz Georgia, que veio com um grupo de amigos que, tal como ela, criaram os seus próprios negócios. Esta grego-americana fundou duas escolas de línguas e teme ter de despedir trabalhadores pela segunda vez. Por isso mesmo, e porque, diz, quer sentir-se “protegida” e continuar a viver na Grécia, ataca aqueles que querem votar ‘Não’ no próximo domingo, acusando-os de não estarem a ser “racionais e pragmáticos”. Depois, enfurece-se novamente.

“É a classe média que está a ser ameaçada. Aqueles que querem votar ‘Não’ estão desempregados ou são reformados. Eles não podem pagar. Irrita-me que acham que podem decidir quando somos todos nós que pagamos. A classe média está a pagar a crise e vai continuar a pagá-la”, diz.

Poppy Tsakiri, 46, é professora de inglês numa das escolas de Georgia Pappas e junta-se à conversa para reforçar a ideia desta. “Aqueles que querem votar ‘Não’ trabalham para o Estado. Nós criámos os nossos próprios negócios e agora arriscamo-nos a acordar um dia e a descobrir que já não podemos trabalhar”, diz, emocionada, antes de explicar que o marido, um engenheiro empresário não está a conseguir comprar equipamento internacional devido às medidas de controlo de capitais impostas no início da semana pelo Governo grego e que limitam fortemente as transações comerciais para fora da Grécia. “Conseguimos não fechar portas nos últimos cinco anos, mas agora não sabemos o que vai acontecer”.

“Somos a 12ª estrela”

Uma mulher e um homem estão a discutir no meio da praça do Parlamento, junto a uma banca improvisada montada nos últimos dias pela Frente do Povo Unido, um movimento que se instalou no centro da capital grega para fazer campanha pelo ‘Não’.

“Votar ‘Sim’ é aceitar tudo aquilo que eles (União Europeia) querem. O objetivo deles é colonizar o nosso país e fazer com que os nossos filhos sejam imigrantes”, diz à VISÃO Stavros Papaziannis, um economista de 50 anos e membro do movimento. Era isto que tentava explicar, de forma apaixonada, à mulher com quem discutia e que não quer ser identificada, dizendo apenas que é reformada. Stavros Papaziannis insiste que votar ‘Sim’ significa eliminar qualquer réstia de esperança, mas a mulher não cede. “O ‘Sim’ é suicídio”, insiste.

Os responsáveis pelo movimento presentes esta sexta-feira na praça Sintagma explicam à VISÃO que não são apoiantes do Governo Syriza e que a sua luta é contra “o euro, o capitalismo e a União Europeia”. Stavros Papaziannis diz que aquilo que está a acontecer na UE neste momento é a concretização do sonho de “Hitler e Goebbels”, ou seja, “uma Europa unida liderada por alguns oligarcas e onde todos os outros são escravos”.

Por isso, este movimento defende o regresso ao Dracma e a libertação da Grécia que, consideram, é neste momento um protetorado.

Na quarta-feira, depois de os rumores que indicavam que Alexis Tsipras tinha chegado a acordo com os credores internacionais, o primeiro-ministro grego falou ao país através de um discurso televisivo no qual apelou ao voto no ‘Não’ e garantiu que uma possível vitória deste no próximo domingo não implicará a saída da Zona Euro.

Reagindo ao discurso de Tsipras, dois jovens estudantes atenienses, Kostas e Stavros, disseram à VISÃO que vão votar ‘Não’ porque é a única “esperança para aqueles que já não têm nada a perder”. Referem-se aos “reformados, aos desempregados e aos estudantes” e acrescentam que “os ricos não vão ser afetados porque já têm o dinheiro fora do país”.

Os dois jovens mostram-se convencidos de que um voto negativo no domingo não significa o regresso ao Dracma. “Se eles (União Europeia) quisessem que saíssemos já nos tinham deixado ir”, dizem.

Nikos Salapatas, 48 anos, taxista, observa os preparativos para a manifestação desta noite na praça Sintagma. “Vai haver um concerto. O Tsipras vai falar”, diz-nos, animado, como se estivesse a preparar-se para uma festa. “Eu vou dizer ‘Não’ porque nós precisamos de viver um pouquinho. Gasto todo o meu dinheiro em impostos. Não digo ‘Não’ à União Europeia, nem ao euro”, diz, confiante de que a Grécia vai manter a moeda única.

“Já pertenço à União Europeia há 30 anos e não quero sair”, diz. Depois, muda a postura divertida e levanta o dedo no ar, como alguém que se convence de ter descoberto a verdade: “Não vamos sair da União. Nós somos a 12ª estrela da Europa.”

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