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Reporter. Writer. Radio and multimedia producer  | Currently in Lisbon, Portugal  | Updating...


Liliane Marise – quando a vida imita a má televisão

O enredo. Liliane Marise, nome artístico de Margarida Cabreira das Caldas, foi a rainha da música popular portuguesa até casar com um homem ciumento que não queria ver a mulher em cima dos palcos. Depois da morte do marido, Guida decide que está na hora de ressuscitar Liliane. Quando o público se prepara para assistir à actuação de Ana Malhoa nas festas do Bairro da Piedade, Liliane Marise anuncia o seu regresso. “A vossa rainha voltou.” Depois de ter estado afastada dos palcos durante anos, Liliane aparece como uma cantora pimba de segunda. Ana Malhoa olha-a incomodada quando esta tenta partilhar o mesmo camarim. A irmã, Emília, diz-lhe: “Nem a Ana Malhoa sabe quem tu és.” Liliane percebe que para voltar à ribalta precisa de chamar a atenção. Para isso, vai criar uma série de escândalos que mantêm o seu nome na imprensa cor-de-rosa. Num episódio em que surge na capa de uma revista como vítima de violência doméstica – um mal-entendido que explora em seu proveito -, Liliane Marise comenta: “Quanto mais vítima, melhor. As pessoas estão sebentas do sofrimento dos outros, pá! E agora, daqui até ao topo, é só um passinho de anão, caraças!”

A personagem interpretada por Maria João Bastos na telenovela da TVI Destinos Cruzados queria o sucesso e encontrou-o. Liliane Marise deu concertos, gravou videoclips e fez duetos com artistas de música popular portuguesa como Mónica Sintra, Ruth Marlene e Leandro, que fizeram participações especiais na novela. Num dos episódios, a família e os amigos assistem, na televisão, à actuação de Liliane no Somos Portugal, programa transmitido aos domingos à tarde na TVI. Antes disso, a TVI já tinha aproveitado a sua grelha de programação para promover a nova personagem. Quando Liliane Marise aparece na trama, no 12.º episódio da telenovela, já era esperada pelo público, que a tinha visto na gala do canal de televisão, em Dezembro, e nos programas Não Há Bela sem João e A Tua Cara Não me É Estranha.

A estratégia funcionou. Destinos Cruzados é assistido diariamente por mais de um milhão de pessoas. A realidade passou a servir-se da ficção. Liliane Marise foi entrevistada no Você na TV (nessa ocasião, a apresentadora, Cristina Ferreira, como que suspendendo o real, anunciou “a partir de agora, isto é novela”), gravou anúncios publicitários para um supermercado e um CD com os temas criados para a personagem e com versões de músicas como Afinal Havia Outra ePerfume de Mulher. O álbum chegou às lojas no início de Agosto de 2013 e alcançou, em poucas semanas, o 1.º lugar no top nacional. De acordo com a Associação Fonográfica Portuguesa, até ao final desse mês, foram vendidos 7500 exemplares, o que fez dele disco de ouro. Actualmente, continua no quinto lugar dos discos mais vendidos. Segundo António Barreira, guionista responsável pela criação da personagem, a produção teve vários convites para Liliane Marise actuar por todo o país, nas festas de Verão. A tournée não chegou a acontecer, mas ficaram marcados dois concertos – um em Lisboa, outro em Guimarães – “para agregar o país inteiro”, explica.

Mas o que é, afinal, o fenómeno Liliane Marise? Como se explica que uma personagem de ficção acabe por gravar um CD e dar concertos em grandes salas de espectáculos?

Nuno Artur Silva, director-geral das Produções Fictícias, diz que a ideia de fazer saltar para a praça pública personagens de ficção não é nova e lembra personagens criadas por Herman José: “O Herman podia ter dado concertos como Serafim Saudade pelo país todo.” Dá ainda o exemplo de Marco Horácio, que com o Rouxinol Fadunchopersonagem de um fadista criado para o programa de stand up comedy Levanta-te e Ri, deu vários concertos e gravou cinco CD.

No entanto, Nuno Artur Silva considera que o que aconteceu com Liliane Marise levou esse conceito um pouco mais longe. Em parte porque “tinha a máquina da TVI por trás”. Considera que Liliane Marise faz parte de um fenómeno que está relacionado com a mistura dos papéis tradicionais: “Da mesma forma que os reality shows são construídos com lógicas de telenovela, é natural que algumas telenovelas transbordem para a realidade.” E adianta que a frase de Woody Allen – “A vida não imita a arte, imita a má televisão” – é uma boa forma de ilustrar o que aconteceu com a personagem interpretada por Maria João Bastos.

Eduardo Cintra Torres, crítico de televisão, considera que a TVI potenciou o tempo de antena que mais ninguém tem: “A visibilidade é extraordinária. Liliane Marise estava todos os dias na televisão. Tem mais publicidade do que o Tony Carreira.” Assim, à semelhança do que aconteceu com Floribella ou com os D”ZRT, Liliane Marise foi uma tentativa bem sucedida: “Procuraram uma estratégia transmediática em resultado do êxito da personagem na novela. Tentaram porque era bom para a TVI e resultou.”

Há dois tipos de público para este tipo de fenómenos, adianta Nuno Artur Silva: “O genuíno, que acha piada em primeiro grau, e aquele que acha piada naquele sentido “isto é tão mau que é bom”.”

António Barreira recebeu o pedido da sinopse de Destinos Cruzadosem Novembro de 2011. Nessa altura, os meios de comunicação social e os políticos começavam a antecipar os efeitos da entrada do FMI em Portugal. Por isso, o guionista vencedor de um Emmy com Meu Amor, decidiu escrever uma telenovela que “pusesse Portugal a rir e a cantar”, fazendo “o contraponto com aquilo que se passava no dia-a-dia”, diz à Revista 2.

O Herman podia ter dado concertos como Serafim Saudade pelo país todo

Para Eduardo Cintra Torres, a personagem de Liliane Marise tinha, à partida, “grande potencial de êxito” por ser “uma cantora de um género musical muito popular junto da maioria sociológica que assiste às telenovelas”.

Joel Neto, crítico de televisão no Diário de Notícias, também refere que o público das telenovelas e o público da música pimba é o mesmo. Explica este fenómeno com o facto de confluírem, para a televisão, “um conjunto de expectativas e ansiedades muito imediatas” que estão na origem “deste tipo de entretenimento muito básico e primário”. Para Joel Neto, “gera-se uma nebulosa onde muitas pessoas se perdem por falta de sentido crítico, sentido estético e por uma certa ansiedade na diversão”. E acrescenta: “Não sou psicólogo social, mas acho que estamos um pouco desesperados.”

Eduardo Cintra Torres adianta que o facto de parte de a banda sonora ser cantada por uma personagem foi uma boa aposta dos guionistas porque permitiu “uma relação mais fácil, mais emocional e mais terna”.

A personagem de uma artista de música pimba era central para a estratégia de entreter e distrair os portugueses: “Queríamos uma cantora popular que fosse luz e cor”, explica António Barreira. Mas, para o guionista, só resultaria se fosse interpretada por uma actriz “que fosse a mais inusitada de sempre”. Pensou em Maria João Bastos e esta aceitou. O sucesso de Liliane Marise deveu-se, segundo uma responsável pela produção artística da Mediacapital, ao facto de a personagem contrariar a imagem de Maria João Bastos como “diva inatingível”. O público habituou-se a ver a actriz em papéis mais sérios como o de Ann Jamerson, na série de época Equador, baseada na obra homónima de Miguel Sousa Tavares, ou de Ângela de Lima no filme Mistérios de Lisboa (de Raúl Ruiz) e em projectos internacionais, como nas novelas da Rede Globo: O Clone, onde fez de Amália, e Sabor da Paixão, onde foi Rita Coimbra.

Um grande desafio e muita disciplina

A actriz concorda com esta interpretação: “Teve este resultado porque foi feito por mim. As pessoas não esperavam que eu fizesse uma personagem destas.” Quando decidiu aceitar interpretar Liliane Marise, fê-lo porque viu nela “um grande desafio”. A preparação começou três meses antes de a novela se estrear e incluiu aulas diárias de voz com o professor de canto Dale Lee Chappel, aulas de dança e um programa intensivo – ao nível do treino físico e da alimentação – que lhe exigiu “uma grande disciplina”. Para além disso, Maria João Bastos pesquisou durante muito tempo “os universos nacionais e internacionais” da música pimba e não só, para encontrar referências e inspiração. O mais difícil, diz, foi coordenar o canto e a dança. Maria João Bastos acha que um dos melhores elogios que lhe podem fazer é dizerem-lhe: “Parece tão fácil.” Para conseguir isso, explica, tem de estar “muito bem preparada”.

Não sou psicólogo social, mas acho que estamos um pouco desesperados

Pensa que Liliane Marise “animou Portugal e os portugueses num momento difícil” e diz estar muito satisfeita com a forma como a sua personagem foi recebida. A actriz gostou de se sentir mais próxima do público: “As pessoas sentiram-se mais à vontade para me abordar.” Depois de terminar as filmagens da novela Destinos Cruzados, começou as gravações do filme de Michael Sturminger As Variações de Giacomo, com o actor John Malkovich, que, sabendo do que se passava com Liliane Marise, disse a Maria João: “Não acontece muitas vezes uma personagem levar-nos tão longe e para um espaço tão real. Aproveita.” Alguns fãs foram contactando a actriz através da sua página de Facebook, deixando-lhe mensagens de incentivo, pedindo-lhe ajuda ou simplesmente desabafando, conta. Maria João Bastos garante responder a todos.

No entanto, a actriz garante que as duas nunca se confundiram: “Liliane Marise nunca tomou conta da minha vida. As personagens que faço nunca se colam, por isso não preciso de me descolar delas.”

Talvez uma das razões que explicam esta proximidade que a actriz sente com o público se deva à natureza da personagem. Liliane estima os fãs e agradece-lhes o apoio. Dirige-se a eles com expressões familiares. Afinal, eles são “o povo de Liliane Marise” e merecem ser tratados por “fofuxo” e “queriduxo”. A imagem de marca de Liliane – um beijo na parte exterior do pulso e outro na parte de dentro – não fica completa sem “eu amo vocês”.

Não sejamos hipócritas. Chegamos às festas de Verão e todos dançam

António Barreira considera que, para além da crise económica, vivemos “uma crise de afectos” e que Liliane Marise tocou o coração das pessoas: “Ter uma personagem a dizer que as ama faz com que se sintam reconfortadas.”

Para o guionista, o facto de esta personagem ter “a ingenuidade das crianças” fez o público sorrir. E os esquemas engendrados por Liliane Marise para alcançar o sucesso? O guionista defende que não põem em causa a bondade da personagem e que caricaturizam formas de agir próprias do meio. Maria João Bastos considera que Liliane “tem bons valores e bom carácter” e que “não é de jogos”.

Enquanto trabalhava como animador em rádios locais na Vidigueira, António Barreira assistiu ao início do boom da música pimba portuguesa. Essa experiência e o facto de ter pertencido à Comissão de Festas da aldeia onde nasceu (tornando-se amigo de artistas como Toy) ajudaram-no a criar Liliane Marise. O guionista escreveu quatro temas originais – Pancadinhas de amorMala chiqueMulher-furacãoSentir sentimentos – onde, explica, explorou o espectro da música popular, desde “os temas latinos, aos trocadilhos, às baladas e ao funaná kuduro”. Barreira está convencido de que todos gostam de música pimba, ainda que muitos não o assumam: “Não sejamos hipócritas. Chegamos às festas de Verão e todos dançam.”

António Barreira que, como contou à Revista 2, abomina erros ortográficos, explica que foi um grande desafio criar frases como: “Não sou a má da vítima”, “o povo está sebento de mim”, “estou deslumbrante com vocês”, “isso são coisas do meu forno íntimo” ou “rainha do mundo universal”.

Como reagiu o meio da música popular portuguesa? Pensaram que a personagem os ridicularizava? O guionista diz que Liliane Marise foi muito elogiada pelos cantores populares e revela ter recebido convites para escrever letras de música pimba. Também Maria João Bastos defende que Liliane Marise “respeita a música popular portuguesa e não pretende ser imitação de nenhum dos cantores”.

“Se tivéssemos uma Barbie em Portugal chamar-se-ia Liliane Marise”

A dois dias do concerto no Meo Arena, em Lisboa, a Revista 2 esteve nos estúdios da Plural em Bucelas, onde decorreu um dos últimos ensaios gerais. Maria João Bastos está vestida com roupa de ginástica, mas maquilhada como Liliane Marise. Canta Chamar a música, a canção interpretada por Sara Tavares no Festival Eurovisão da Canção em 1994. Esse vai ser um dos momentos altos do concerto, explica uma responsável pela produção artística da Mediacapital, que não quis ser identificada, acrescentando que a actriz se emociona quando canta esta música: “Quando ela cantar Chamar a música, vai-se despedir da Liliane Marise. Tem uma grande carga emocional porque ela se entregou muito à personagem.”

O público faz alguma confusão? Sabe que Liliane não é real? “Talvez as crianças façam confusão.” Para esta responsável, o fenómeno foi tão grandioso que, “se tivéssemos uma Barbie em Portugal, chamar-se-ia Liliane Marise”. O que é que têm dito às crianças sobre o fim da telenovela e o desaparecimento desta personagem? “Dizemos que a Liliane Marise vai viver numa estrelinha.”

O concerto de Liliane Marise assemelhou-se mais a uma festa para crianças do que a um arraial de música pimba. A assistir estavam sobretudo raparigas entre os 7 e os 11 anos. Muitas têm plumas cor-de-rosa e grandes laços fluorescentes no topo da cabeça. Junto do palco, está uma menina com um maillot brilhante e colorido, braceletes douradas num dos braços e umas longas unhas azuis. Está disfarçada de Liliane. Entre os adultos, há aqueles que se assumem fãs, como Cláudia Lopes, 35 anos, que pintou madeixas no cabelo e que vem ao concerto com o marido para “apanhar boas energias”. Cláudia diz que gosta muito de Liliane Marise e das músicas, que, considera, “passam boas mensagens se a pessoa ouvir com atenção”. Há quem venha com o pretexto único de acompanhar as filhas, mas acaba por cantar e dançar as músicas, mostrando uma familiaridade com os temas.

Márcia Oliveira, mãe de Maria Rosa, de oito anos, trouxe a filha e amigas desta, mas pertence a outro grupo. Apesar de estar aqui, não se identifica com o público que segue Liliane Marise. Como se estivesse de fora, comenta: “Ainda existe muita gente que vibra com a música pimba.” As crianças têm madeixas vermelhas no cabelo como Liliane e vestem, pelo menos, uma peça de roupa com lantejoulas. “Tinham de vir com brilhos”, diz. Márcia pergunta à filha porque é que ela gosta de Liliane Marise e Maria, irónica, responde: “Porque ela é pirosa como eu.” Maria não é uma fã incondicional de Liliane e diverte-se com o que se passa à sua volta. “Estas miúdas aqui ao lado adoram a Liliane”, diz, em tom de gozo, para a mãe.

Dizemos que a Liliane Marise vai viver numa estrelinha

Mónica deixa-se rir e explica que a filha não tem nenhuma ligação especial à personagem, que o seu desaparecimento no final da telenovela lhe vai passar ao lado e que, tanto ela como o grupo de amigas que a acompanham, estão aqui porque são da turma de Carolina Bastos Leiria, oito anos, sobrinha de Maria João Bastos. Carolina conta à Revista 2 que não é grande fã de Liliane Marise: “Está sempre a comer pastilha elástica e parece que fala mal com as pessoas.” O primo de Carolina, Gonçalo, 11 anos, também está no grupo. “Eu com tantos autógrafos que faço até já sei imitar a letra da tia”, diz.

Inês Bastos, mãe de Carolina e irmã de Maria João Bastos, explica que a filha se tornou mais popular na escola por ser sobrinha da actriz, mas que isso não a afecta. Segundo a mãe, Carolina nunca se tinha interessado pelo trabalho da tia: “As personagens sofisticadas não chamavam a atenção da Carolina. Ela despertou para a tia enquanto actriz com a Liliane Marise. Foi a primeira vez que quis ir aos estúdios.”

A despedida

Alguns minutos depois da hora marcada para o início do concerto, o palco do Meo Arena enche-se de bailarinos que desfilam ao som dos primeiros acordes de Vogue, de Madonna. Não há instrumentos musicais em palco. Liliane Marise surge envolvida numa capa negra, que deixa cair, revelando a sua figura. “Boa noite, meu povo de Liliane Marise.” A primeira música é uma versão de Gangnam style, cujo refrão passou a ser “vou cantar com estilo” e que inclui frases como “agora sou a maior de Portugal” e “sou a diva deste mundo e arredores”.

Inês dança com a filha e as amigas. Entusiasmada, diz-nos: “Ela desde pequena que sonhava cantar num palco. A Liliane Marise proporcionou-lhe isso. Ela deve estar a pensar: “Estou a concretizar um sonho”.”

Depois de Cantar com Estilo, é a vez de Pancadinhas de Amor, apresentado como o grande hitde Liliane. As crianças sabem a música de cor e muitos pais também a cantam, dançando como se estivessem num baile de Verão. Na versão de É o bicho, os bailarinos estão vestidos com peles falsas e tecidos polares que imitam a pele da zebra ou de uma vaca. Têm grandes cabeças de lobo, rato ou águia. Liliane Marise dirige-se aos mais novos. Vai falar do desaparecimento da personagem de forma faseada, como se fosse necessário dar uma má notícia às crianças: “Eu tenho de vos dizer uma coisa que custa muito – “Vou despedir-me”.”

Depois, chama ao palco a “camarada de estrada” Ruth Marlene, com quem canta, Coisinha Sexy. Liliane deixa Ruth em palco e vai mudar de roupa. Paula Clemente, responsável pelo guarda-roupa, explica à Revista 2, nos bastidores, que a personagem usa sete fatos ao longo do concerto. Maillots de pele e saias de tule, peças vulgares onde foram cozidas lantejoulas e aplicadas plumas.

Moisés (Pedro Teixeira), sobrinho e amor proibido de Liliane, canta I”m Sexy and I Know It. No palco, Moisés e os bailarinos apresentam-se em tronco nu e deboxers, numa coreografia com muitas referências sexuais. Liliane regressa ao palco, chocada com o que acabou de assistir. A partir daqui o concerto passa a ser uma espécie de ópera. “Moisés da Consolação não volta a tocar com um dedinho em Liliane Marise”, diz. Furiosa e despeitada, a personagem canta Ai se eu te pego num tom de ameaça. Moisés insiste na infidelidade com Eu tenho dois amores. A fúria de Liliane dá lugar à tristeza e, num medley, a personagem conta que Afinal havia outra, confessa que morre de ciúmes “desse perfume da outra mulher”, assegura que ele não é homem para ela e impõe-se, garantindo que já não é bebé. Vai dedicar a próxima música “a todas as mulheres” que a estão a entender, pedindo-lhes: “Cantem comigo este sofrer de sentimentos que vou sofrer agora.” A plateia sabe que está na altura de Sentir sentimentos, a balada romântica de Liliane Marise.

Liliane Marise respeita a música popular portuguesa e não pretende ser imitação de nenhum dos cantores

O concerto aproxima-se do fim e é necessário resolver o destino dos amantes. No grande ecrã do palco, Moisés e Liliane passam a actores do cinema mudo. Com gestos excessivos e expressões dramáticas, contam a história de “um homem arrependido que quer a mulher da sua vida” e de uma mulher que resiste às suas investidas, acabando por se render. Novamente em palco, Liliane veste um body de renda e usa um tule branco à cintura e outro pendurado na cabeça. “Já não sou solteira, já não sou solteira”, canta ao ritmo de I”m a single lady, de Beyoncé. António Barreira está convencido de que o estilo da personagem que criou é muito semelhante ao da cantora norte-americana e que, se Liliane Marise estivesse noutro país, seria comparada com Beyoncé ou Jennifer Lopez, em vez de ser considerada “pirosa”. “”Tão felizes ou não “tão de a Liliane ter casado com o Moisés?” As crianças respondem que sim em coro, encantadas com o final feliz.

Ana Malhoa faz um dueto com Liliane e canta a solo. De seguida, os êxitos que faltavam: Mala chique e Mulher-furacão. Maria João Bastos/ Liliane Marise vai dizendo: “Vou ficar mesmo muita triste quando tiver de me despedir de vocês” ou “só canto mais uma música se prometerem que nunca vão esquecer a Liliane Marise”.

O convidado João Paulo Rodrigues canta Lolypop e há um tom de despedida. Apagam-se as luzes. O clima não é de fim de festa, mas não se grita muito por Liliane Marise. Esta volta ao palco, triunfante num vestido dourado. Uma peça mais elegante para cantar Chamar a música.

Tinha chegado o momento intimista da noite. Carolina sobe ao palco para entregar um ramo de flores à tia. Mudou de roupa e agora veste um top cor-de-rosa com franjas e com o rosto de Liliane Marise na zona do peito. Tem um penteado de mulher adulta, com o cabelo preso numa tiara de plástico. Em alguns fios louros foram pintadas madeixas cor-de-rosa. Os cantos dos olhos têm uma moldura feita por brilhantes que imitam diamantes. Quando acaba de “chamar a música” e vê a sobrinha, começa a chorar. “Esta não foi fácil. Juro-vos.” “Quem chora?”, pergunta ao público. Na plateia, algumas crianças têm lágrimas nos olhos.

Maria João Bastos diz no concerto que este foi um dos anos mais incríveis da sua vida por causa de todo o amor que recebeu. Logo de seguida, muda para Liliane Marise: “Eu amo vocês.” O vestido dourado transforma-se: “Se te portas mal, vai haver terror…”

O “mais recente fenómeno da música popular”, como Liliane Marise foi muitas vezes apresentada pela TVI e pelas revistas cor-de-rosa, não conseguiu encher metade do Meo Arena. Nas bancadas e na plateia, muitos lugares e espaços vazios. No final, a organização disse que estiveram presentes mais de 7500 pessoas.

Depois do concerto, segue-se a sessão de autógrafos. Constitui-se de imediato uma fila que se estende ao longo de quatro portas de entrada do pavilhão. Marina Lopes senta-se a um canto enquanto o marido ocupa o lugar para que Mariana, a filha de nove anos, possa ter direito a um postal assinado por Liliane Marise. Marina ouviu dizer que pode demorar três horas, mas só vai embora quando Mariana “estiver satisfeita”.

Apesar de a criança ser fã da personagem, a família só veio ao concerto porque não pagou as entradas. Se tivessem de comprar os bilhetes, o mais provável era não virem. Gastaram 50 euros em compras num supermercado onde não são clientes habituais para terem direito a dois bilhetes. Mais 50 euros, mais dois bilhetes. Quatro, no total, para Marina, o marido, Mariana e a sua tia. Pelo que percebemos, muitas das famílias que aqui estão terão feito a mesma coisa.

Ao longo do concerto, Maria João Bastos pediu várias vezes às crianças para não esquecerem Liliane Marise e continuarem a ouvir o CD. Depois do concerto em Guimarães e do fim da telenovela Destinos Cruzados, no final deste mês, a personagem não deverá voltar a aparecer. O que restará do fenómeno?

Nuno Artur Silva acha que Liliane Marise cairá no esquecimento “daqui a um ano ou dois”. Joel Neto pensa que vão continuar a surgir fenómenos deste género, mas que não serão iguais a este: “Agora, uma jovem actriz há-de querer ser a próxima Liliane Marise, mas isso não vai pegar. O público aborrece-se muito depressa. E aborrece-se porque o próprio produto induz a uma certa ligeireza. Aquilo que se vê é aquilo que está lá.”

17' 13''