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Reporter. Writer. Radio and multimedia producer  | Currently in Lisbon, Portugal  | Updating...


Jovens e Patriotismo

O desejo relativo de ser patriota

No dia 15 de Setembro de 2012, Luís Bernardo juntou-se aos milhares de pessoas que se manifestaram nas ruas de Lisboa. Vestia uma t-shirt preta onde se lia um verso do poema “Pátria” de Sophia de Mello Breyner: “Por um país de luz perfeita e clara”.

É isso que Luís, 28 anos, doutorando em Sociologia na Universidade Humboldt em Berlim e um dos subscritores do manifesto “Que se lixe a troika! Queremos as nossas vidas!”, quer para Portugal. Que seja “um país de luz perfeita e clara”.

Ao longo da entrevista, Luís disse várias vezes que não era patriota. Porque não se revê no “patrioteirismo do tipo Portugal é bom, Portugal é fantástico”. Porque não acha que os portugueses “sejam o melhor povo do mundo”. Porque tem uma posição mais internacionalista. Porque vive “no limbo entre ter raízes e ter asas”. Porque a sua casa é aqui, mas sente-se em casa em qualquer lugar.

Porque não pode ser. Não quando vê aquilo em que Portugal se está a transformar. Quando se manifestou no dia 15 de Setembro, não o fez por causa da medida da Taxa Social Única. Luís manifestou-se para defender a Constituição portuguesa: “Se há coisa de que eu gosto no sistema político português é a nossa Constituição. Gosto das garantias que nos dá. Gosto do facto de ser uma Constituição profundamente republicana que nos torna a todos iguais perante a lei e perante o Estado”. É por causa da Constituição que Luís ainda acredita que Portugal enquanto entidade política “tem pernas para andar”.

Luís manifestou-se para defender um modo de vida. Um modo de vida que pensa estar ameaçado. Quando olha para as políticas sociais do ministério da Solidariedade e Segurança Social, Luís identifica “um substrato darwinista muito perturbador para alguém que está habituado a viver em Portugal”, onde, apesar de todos os problemas e das desigualdades, sempre houve práticas de solidariedade fortes.

Quando ouve dizer que a pessoa está desempregada e a culpa é dela, que a pessoa é pobre e a culpa é dela, que os jovens que não estudam nem trabalham são uns preguiçosos, o sociólogo não consegue evitar fazer o diagnóstico: “há uma ideia básica de solidariedade que se está a perder em Portugal”.

Luís pensa que “por enquanto ainda somos uma comunidade”, mas que estamos a deixar de o ser “a um passo muito acelerado”. Na sua opinião, os cortes no Estado social traduzem-se em cortes nos laços sociais que nos unem e o resultado “não vai ser bonito”.

No discurso de Luís há uma preocupação constante com a questão da desigualdade. Pensa que Portugal é um país onde as desigualdades “são entendidas como inevitáveis e até certo ponto desejáveis”. Para ele, isso é incompatível com a sua maneira de ver o mundo e justifica uma tomada de posição. Luís é peremptório: “Eu não posso ser patriota quando vejo que Portugal é o país mais desigual da Europa Ocidental”.

Se há coisa de que eu gosto no sistema político português é a nossa Constituição. Gosto das garantias que nos dá. Gosto do facto de ser uma Constituição profundamente republicana que nos torna a todos iguais perante a lei e perante o Estado.

Ou parece… Está às voltas com o conceito. Não gosta de rótulos. A sua relação com o país é difícil de exprimir e de defender. Perante a dificuldade, vira-se para a poesia: “Uma posição com a qual me identifico muito é com a da Sophia – os poemas “Pátria” e “Lusitânia”. É uma posição lírica, que não te obriga a ter uma posição muito pesada.”

E começa a recuar: “Se eu disser que não sou patriota isso não será inteiramente verdade porque eu de facto quero uma coisa para Portugal”.

O que Luís quer é um “país sem luxo e sem lixo”. De novo Sophia. “Um país onde não há elitismos, onde todos vivem bem. Onde a luz ilumina toda a gente sem distinções. Onde as pessoas não têm medo de caminhar. Onde as pessoas florescem enquanto seres humanos”.

É isso que significa, para Luís, “um país de luz perfeita e clara”.

A confusão de Luís faz algum sentido se pensarmos em tudo aquilo que está associado à palavra patriotismo. No seu sentido mais imediato, patriotismo significa “amor da pátria”. Essa é a definição de patriotismo que surge no dicionário de língua portuguesa. Uma definição que pode ser aprofundada.

No artigo sobre “Patriotismo” na Enciclopédia de Filosofia online da Universidade de Stanford, define-se o termo através de quatro dimensões. Neste sentido, o patriotismo envolve um “sentimento especial pelo país”, uma “identificação pessoal com o país”, uma “preocupação com o bem-estar do país” e a capacidade de sacrifício para promover o bem do país”.

Nas lutas estudantis conotávamos o patriotismo com um certo conservadorismo. Estava conotado com o fechamento do país. Havia até um certo pudor em afirmar o sentimento patriótico porque estava ligado a estas coisas.

Ou seja, não basta dizer-se que se ama o país para se ser considerado um patriota. Num trabalho levado a cabo pelo Instituto de Ciências Sociais a pedido do Instituto de Defesa Nacional sobre o nacionalismo e patriotismo na sociedade portuguesa, em 1989, Eduardo Lourenço escreveu a este propósito: “Como todo o verdadeiro amor, o patriotismo é, por assim dizer, ‘silencioso’. Silencioso, mas activo. A devoção ao bem comum que nele se incarna só os actos que exteriorizam lhe conferem conteúdo e significado”.

Neste sentido, é um sentimento “em princípio positivo”, como começa por lembrar o filósofo nesse mesmo artigo, ao contrário do nacionalismo, visto geralmente como uma forma exacerbada de patriotismo e com efeitos perversos como a xenofobia. O que não implica que não se lhe associem recordações mais negativas: “Nas lutas estudantis conotávamos o patriotismo com um certo conservadorismo. Estava conotado com o fechamento do país. Havia até um certo pudor em afirmar o sentimento patriótico porque estava ligado a estas coisas”, explica à 2 o sociólogo José Viegas.

Para José Manuel Sobral, sociólogo e autor do livro “Portugal, Portugueses: Uma Identidade Nacional”, “a palavra patriotismo refere-se a um tipo de ligação e a um tipo de sentimento que as pessoas têm em relação à sua pátria, à terra dos seus antepassados, à terra onde viveram e com as qual se identificam”.

“Tenho de ter consciência de que posso não ser portuguesa para toda a vida e tenho que ter um plano B”.  Carolina Rico, 20 anos, está no último ano da licenciatura em Jornalismo na Escola Superior de Comunicação Social. Passou três anos a ouvir falar sobre desemprego e a preparar-se para a possibilidade de ter de sair do país. É por isso que fala assim. Sabe que a frase que acabou de proferir é forte e apelativa, mas que o seu sentido não se esgota aí. Fornece a explicação adicional: “Se o nosso dia-a-dia é feito noutro país temos de nos adaptar a uma nova maneira de ser a que não estávamos habituados. Vamos ficar um pouco desligados daquela maneira de ser portuguesa”.

Para Carolina, ser português é ter uma maneira de ser no dia-a-dia. Na sua opinião isso é mais importante do que a bandeira, o hino ou a História.

A maneira de ser portuguesa significa “fazermos as coisas em cima do joelho e safarmo-nos” e vê-se na forma como os portugueses atribuem “simbologia e um certo misticismo a tudo o que fazem”.

Carolina identifica-se profundamente com esta maneira de ser e pensa que mesmo que tenha de emigrar não vai deixar de ser portuguesa: “Vou estar sempre ligada às minhas raízes, ao meu passado. E hoje em dia tenho consciência de que se morar noutro país da Europa nunca vou deixar de ter acesso à música e aos livros portugueses – espero eu. Vou estar sempre ligada à cultura portuguesa e ao nosso modo de vida – espero eu”. Mas tem medo de perder essa ligação, de perder a maneira de ser portuguesa.

Fala como se sair do país fosse inevitável, mas diz que não consegue imaginar esse dia. Para ela, é equivalente a pensar: “Quando é que vou desistir do meu país?”.

Porque nesse dia vai sentir que desistiu do país. Fica confusa e fala no presente, como se o processo de desistência já tivesse de alguma forma começado: “Não sei se foi ele que desistiu de mim ou se sou eu que estou a desistir dele…”.

Carolina adora a língua portuguesa. Gosta de dizer. Gosta de palavrar. Quer escrever em português. Quer ser jornalista em Portugal. Para ela, essa seria a única forma de se sentir útil ao país. Acredita que a Comunicação Social e o Jornalismo são indispensáveis à liberdade e a um futuro melhor para o país e quer fazer parte disso. No dia em que perceber que não consegue ser jornalista em Portugal, vai embora.

Num artigo de opinião para uma disciplina da licenciatura escreveu: “Serei portuguesa se puder ser jornalista”.

Explica-nos porquê: “Se não conseguir ser jornalista em Portugal prefiro estar a trabalhar noutra área fora do país. Era a única forma de me sentir útil cá. Se não for útil para o meu país e estiver a ser maltratada e a passar por muitas dificuldades, se calhar prefiro ter uma vida melhor lá fora e a hipótese de ter algumas coisas que sempre quis para mim – viajar, ter um emprego que me permita viajar, conhecer, escrever. A relação que tenho com o meu país deve ser como uma relação amorosa. Posso adorar o meu país. Posso gostar mesmo muito dele, mas se ele me trata mal eu tenho de deixar a relação, tenho de ir embora. Se o meu país me continuar a bater e se eu não for útil para o meu país, também não quero tornar-me um fardo”.

No artigo que escreveu fez um mea culpa. Acrescentou a frase: “Sim, falhei a lição de patriotismo”. Agora diz à 2: “Penso que a decisão de sair porque não sou útil aqui revela um pouco de patriotismo. Se não faço falta aqui e o meu país me está a descartar – e eu sinto-me descartada – se não precisam de mim, eu tenho de ir. Não vou ficar em Portugal se tiver que depender de um subsídio de desemprego ou dos meus pais. Aí não estou a fazer nada. Não estou a ser útil para Portugal”.

Não sei se foi ele que desistiu de mim ou se sou eu que estou a desistir dele…

Sobre a questão de perceber qual é o estado do patriotismo entre os jovens portugueses, José Manuel Sobral diz que a forma como a ligação à pátria é pensada hoje pelos mais novos é muito diferente da forma como a sua geração a pensava, ainda que não saiba exactamente em que sentido mudou: “As pessoas hoje têm outros horizontes, mais amplos do que aqueles da terra, cidade, região onde nasceram. Tudo isso mudou. O sentimento de afecto terá evidentemente sido influenciado por esse factor, mas eu não tenho dados rigorosos a esse nível, não sei como está em Portugal.

No entanto, o sociólogo pensa que é “extremamente arriscado” dizer-se que o sentimento de relação com a pátria está pouco forte porque os jovens têm uma maior mobilidade e circulam internacionalmente com grande facilidade: “Não vejo neste mundo que está mais cosmopolita que isso se tenha traduzido em perda de importância dos vínculos nacionais. Tenho conversado com um ou outro jovem que durante meses estão fora de Portugal e não deixam de exprimir o gosto pelo sol, pela praia, por um determinado tipo de peixe, o gosto pelo fado”.

De acordo com o psicólogo social Jorge Vala, enquanto os sentimentos nacionalistas são mais fortes nas pessoas mais velha, o patriotismo é independente da idade.

Luís e Carolina responderam de forma semelhante à pergunta: Que sacrifícios fariam pelo país?

“O meu maior sacrifício é estar longe da família e dos amigos. Esse é o meu sacrifício”, diz Luís, que divide o tempo entre Lisboa e Berlim, onde ajuda a representar os movimentos de protesto portugueses junto dos movimentos internacionais. Para além de ser subscritor do manifesto “Que se lixe a troika!”, Luís pertence à ATTAC – Associação pela Taxação das Transacções Financeiras para ajuda aos Cidadãos – e é membro fundador da associação Transparência e Integridade.

Fora de Portugal Luís participa habitualmente em fóruns internacionais onde cria laços de solidariedade com activistas de outros países e fala da situação de Portugal, tentando que “a situação portuguesa deixe de viver na sombra da situação espanhola, que é o que muitas vezes acontece”.

Luís ainda não está convencido quanto à questão de se definir como patriota ou não. A pergunta dos sacrifícios suscita-lhe novas reflexões: “Não perdemos horas nas nossas vidas porque odiamos a terra onde nascemos. Vou para a rua manifestar-me contra a austeridade, contra a troika, contra o governo porque estão a destruir o meu país – não é porque eu gosto de manifestações. Eu até preferia ficar em casa a ler… Mas quando tem de ser, tem de ser”.

E então, ainda com reservas, diz: “Nesse sentido sim, talvez seja aceitável dizer que há algum patriotismo”.

O maior sacrifício de Carolina seria sair do país. Até lá, pensa noutras formas de sacrifício. “Quando entrei para a universidade pensava: recibos verdes? Andar a ser explorada? Não pode ser. Isto não é escravatura. Neste momento estou disposta a trabalhar a custo zero para sentir que estou a contribuir. Poder contribuir já é uma mais-valia para mim e uma forma de eu me sentir realizada”.

Raquel Ribeiro, 23 anos, tem uma posição diferente. Há um ano, a jovem enfermeira decidiu emigrar para França, depois de ter concorrido a vagas em vários hospitais por todo o país.

“O meu sacrifício?” – repete a pergunta que lhe fizemos. “Não faço! Senti-me de tal maneira expulsa que se neste momento me pedissem para voltar porque precisavam de mim eu dizia que não. Ia ser egoísta ao mais alto nível”. As palavras duras são ditas com segurança, embora com serenidade.

Não é a forma de falar de alguém que foi magoada e quer vingança. É a forma de falar de alguém que foi magoada e agora não quer saber.

Raquel terminou a licenciatura na Escola Superior de Enfermagem S. João de Deus, na Universidade de Évora, em Junho de 2011. Seguiram-se quatro meses a enviar currículos e a “correr a pé todos os hospitais de Lisboa”.

Em todo o processo, aquilo que a perturbou mais foi ver que “o pouco emprego que ainda há é atribuído de forma que não tem explicação”.

Depois de não ter ficado colocada no hospital onde tinha feito a maior parte dos estágios da licenciatura, decidiu ir embora. Uma semana depois desse concurso, a melhor amiga e colega de curso telefonou-lhe para lhe dizer que ia embora para França, que havia quatro vagas para o sítio onde ia e que três estavam preenchidas. Raquel disse-lhe que ia com ela. Enviou o currículo no dia 14 de Outubro e no dia seguinte telefonaram-lhe da direcção do hospital onde agora trabalha. Perguntaram-lhe pelo nível de francês e disseram-lhe que no final do mês estavam à espera dela.

No dia 28 de Outubro aterrou em Toulouse e três dias depois começou a trabalhar em Castelsarrasin.

Senti-me de tal maneira expulsa que se neste momento me pedissem para voltar porque precisavam de mim eu dizia que não. Ia ser egoísta ao mais alto nível.

Para Raquel, o patriotismo está intimamente relacionado com a questão dos sacrifícios. Diz que ama Portugal, que antes de estar em França nunca tinha chorado a ouvir o hino nacional português, mas não consegue achar-se patriota: “Gostaria de dizer que sim, que sou patriota, mas a mágoa e a revolta que tenho não me deixam ser patriota. Sair de França neste momento para ajudar Portugal a sair do buraco onde está não é uma das minhas opções”.

Raquel não faz tenções de voltar a Portugal. Isto apesar de “ter saudades de ser enfermeira em português” e de achar que ser enfermeira em França é “horrível”: “Eles têm uma visão da enfermagem que em Portugal existiu há 40 anos. O poder médico é ainda maior em França. Tens menos liberdade no teu trabalho. Durante quatro anos fui habituada a trabalhar de uma certa forma, a ter opinião. Chegas lá e tens de pedir autorização para tudo. Custou-me muito”.

Em Setembro de 2012 ligaram-lhe de um hospital português. Precisavam de alguém que substituísse outra enfermeira durante seis meses. A decisão de continuar em França foi difícil e despertou-lhe sentimentos contraditórios: raiva por não ter acontecido antes; orgulho por a terem escolhido a ela; culpa por sentir que queria ficar em França apesar de ter a oportunidade de voltar para junto da família e dos amigos.

De acordo com José Viegas, este corte é natural. O sociólogo pensa que muitos dos jovens que foram obrigados a emigrar “saem ressentidos e com uma capacidade de auto-reflexão sobre o assunto” e que, em alguns casos, as circunstâncias negativas em que se deu a saída podem “dificultar o retorno”: “Se tenho uma experiência desagradável num sítio, não vou querer voltar a ele. Foi o sítio onde eu vivi, senti-me mal porque não arranjei emprego, fui humilhado. Isto leva a um sentimento de afastamento”.

Jorge Vala diz que as nossas atitudes são contextuais, organizando-se em função do mundo presente: “Se dentro de dez ou quinze anos conseguirmos ser de novo uma nação com um estatuto de pessoas decentes na Europa os jovens que agora fazem esse corte poderão mudar o seu pensamento”.

Ao contrário de Raquel, Luís gostava de voltar, ainda que nos diga que tem noção de que nos próximos anos isso não vai acontecer: “Adoraria manter a ilusão de que posso voltar para cá. Mas não tenho ilusões a esse respeito. Acho que não posso. Acho que não tenho espaço cá. Não sinto que tenha espaço para desenvolver as coisas que gostaria de desenvolver”.

Luís não se refere exclusivamente a condições financeiras. Diz que não é ingénuo relativamente ao dinheiro, mas que é uma pessoa “relativamente frugal”. Quer fazer aquilo em que acredita. Para voltar a viver em Portugal, Luís precisava de “uma cultura política onde o medo e o respeitinho não fossem os eixos dominantes” e da possibilidade de trabalhar para ajudar o país: “Se me dissessem – ‘temos um projecto de três anos que vai ter um impacto real em Portugal’ – possivelmente consideraria voltar”.

A consciência de que Portugal não é um país com as condições necessárias para que possa viver cá não é indiferente para Luís: “Já me foi dito que eu tenho ca raízes que nunca vou conseguir escavar. Não vou conseguir sequer tentar. Vai-me causar uma dor tao profunda que não vou sequer tentar. Gostava de poder passar o meu aniversário com a minha mãe e passar o aniversário dela com ela. São coisas que acabam por ter o seu efeito”.

Logo de seguida, Luís encontra a resposta. “Se quiserem… porque não: Patriota. Está bem!”

“Eu sou português. É o que é. Não posso alterar isso. Mas não tenho o maior prazer em ser português, de todo”. Jorge Fernandes, 26 anos, é doutorando em Ciências Sociais e Política no Instituto Universitário Europeu, em Florença, e diz não sentir uma identificação pessoal com Portugal: “Não me identifico. De todo”.

Quando entrou no Instituto, ele e os colegas, vindos de todo o mundo, foram recebidos por um cientista político, Peter Mair, que lhes disse: “Hoje entram todos aqui a dizer que são portugueses, espanhóis… mas quando saírem do Instituto, ao fim de quatro anos de convivência, quando vos perguntarem o que são, vão dizer: ‘eu sou europeu’”.

Esta frase de boas-vindas marcou Jorge, para quem é mais provável identificar-se com um alemão que tenha uma formação ou um rendimento idêntico ao dele do que com um português com quem apenas partilha o facto de ter nascido na mesma comunidade nacional.

Na verdade, Jorge nem sabe “o que é isso de ser português”. Se há coisa de que não gosta é da forma “como a comunidade se apodera de êxitos individuais que são conseguidos por pessoas individuais. O José Mourinho é um exemplo disso. O mérito é só dele. Não é por ser português”. Jorge pensa que um português que consegue chegar ao topo nas diferentes áreas de actividade é realmente bom porque a comunidade nacional é “desorganizada, fraca e pobre”.

Jorge tem “desgosto de ser português”. Diz que este sentimento é “uma coisa contínua”. Desgosto de ser português porque Portugal tem uma vida cultural e intelectual pouco desenvolvida, porque “somos pobres em todos os aspectos” e também porque Jorge já estudou e viveu noutros países e teve a possibilidade de comparar: “Olhamos para Portugal, Espanha, Inglaterra e Estados Unidos e percebemos que isto é muito mau”.

“Eu não posso fazer nada quanto a isso. Isso é um dado adquirido na minha vida. Os meus pais costumam dizer-me, com muita razão: alguma vez deixaste de fazer alguma coisa por ser português?”

Pensando na pergunta dos pais, Jorge faz uma auto-crítica: “Quem faz este tipo de discurso geralmente são as pessoas que têm menos do que se queixar. O meu pai tem razão – tenho este discurso porque nunca me faltou nada. Viajo, compro o que quero”.

Quando lhe perguntamos se se sacrificaria pelo bem-estar do país, Jorge é, de novo, resoluto: “Não sei o que é isso. Não vale a pena estar a mandar umas larachas: a educação… Mudo o quê? Eu percebi que não mudava nada quando tinha 15 anos”.

Entre o não saber “o que é isso de ser português” e o “desgosto de ser português”, Jorge admite que gosta de Portugal: “Eu gosto disto porque isto cheira-me a família. O facto de ser familiar, apesar de ser pobre e fraco, faz com que não tenhamos de nos cansar”.

Os meus pais costumam dizer-me, com muita razão: alguma vez deixaste de fazer alguma coisa por ser português?

Para ele, estar em Portugal é fácil: “Não tenho de pensar. É automático. É confortável”. Continua, animado: “Eu gosto disto. É muito agradável. Isto tem coisas muito boas”.

No Instituto onde estuda, Jorge não ouve muitas vezes os colegas dizer que têm saudades de casa e diz que os portugueses são dos povos que têm uma maior ligação ao país: “O português está sempre a cheirar aqui a terra… Isto é irracional”. Mas para ele, isso é apenas uma questão de socialização, de hábito, que não é suficiente para ter orgulho no país: “Eu não consigo conceber como é que isso é ser português nesse sentido. Só por teres sido habituado desde criança a ter sol e a uma determinada temperatura – isso não faz de ti nem melhor nem pior”.

No artigo “Ser português: um orgulho relativo”, João Leal analisou os dados do módulo Identidade Nacional do International Social Survey Programme de 2003 e concluiu o seguinte: “ser português é algo que se assume com orgulho, mas com um orgulho ambíguo, indeciso, vacilante. Um orgulho, em suma, contraditório”.

Uma das razões para essa ambiguidade, explica, é o facto de em Portugal as razões simbólicas para o orgulho nacional se sobreporem às razões práticas para esse mesmo orgulho. Isto quer dizer que – segundo os dados desse inquérito – os portugueses têm pouco orgulho no sistema de segurança social (apenas 18,9% disseram ter orgulho ou muito orgulho no sistema de segurança social) ou no desenvolvimento da economia (21,6%), por exemplo, mas muito orgulho na qualidade dos seus artistas e escritores (84,8%), nos resultados no desporto (86,5%) e na história (91,9%). É uma forma de compensar simbolicamente o facto de em termos práticos não haver grandes motivos de orgulho.

O antropólogo explica à 2 que isto acontece porque “as pessoas têm dificuldade em aceitar um tipo de escalão intermédio em que o país se situa, no contexto de uma Europa desenvolvida. É um país da periferia ou da semiperiferia e isso é uma coisa com a qual é difícil lidar. Cria um conjunto de expectativas que acabam por não ser correspondidas”.

João Leal diz que este tipo de discurso é mais forte em situações de crise ou em gerações que por uma razão ou por outra construíram um particular ressentimento com Portugal. Refere-se à geração dos anos 90 do século XIX e à parte mais modernista da geração dos anos 1960. No artigo “Ser português: um orgulho relativo”, o antropólogo refere o poema “Portugal” de Alexandre O’Neill para ilustrar a relação conturbada do poeta com o país que designa de “meu remorso/meu remorso de todos nós…”

“A geração do O’Neill foi uma geração que assistiu à mudança de mentalidades e de costumes na Europa e que se confronta com o país pequeno, provinciano, que é Portugal nos anos 60. Está aí grande parte da sua razão de queixa: o atraso do país, que continua fechado e em ditadura num momento em que a Europa muda toda”, diz João Leal à 2. Uma visão que, na sua opinião, pode ser actualizada nesta conjuntura.

Os jovens com quem falámos tiveram dificuldade em definir-se como patriotas ou não patriotas; disseram que podiam não ser portugueses para toda a vida, lamentaram o facto de não serem patriotas ou confessaram o desgosto enormíssimo de ser português. Nenhum disse, no entanto, não gostar de Portugal.

Luís falou do potencial da Constituição, da sua opinião “ligeiramente chauvinista” de que a comida portuguesa é a melhor do mundo, do calor humano que não sente noutro local quando aterra em Lisboa ainda que o país esteja a “desfazer-se”.

O amor de Carolina por Portugal é acima de tudo pela língua e pelos autores. E pela maneira de ser portuguesa. Mesmo a mais melancólica: “Nós somos um país um bocadinho mortiço, que andamos tristes e deprimidos – também não deixo de gostar disso, pá! Nós somos tristes… somos uns tristes e choramos a ouvir fado e temos saudades de tudo e de mais alguma coisa – até dos descobrimentos que nunca vimos. Nem disso eu deixo de gostar. Por muito que não quisesse”.

Raquel sente saudades da família e dos amigos, mas quando pensa em Portugal, pensa nas praias porque representam aquilo de que mais gosta em Portugal: “O tempo passado com a família, com os amigos, o calor, os gelados, a cerveja, o mar, a areia, o sol”.

Para Jorge é a luz de Lisboa. “Não sei se já vos aconteceu chegar da Europa rica e civilizada nesta altura do ano e aterrar em Lisboa num dia de sol. É como vir de um poço” – Jorge inspira fundo como quem esteve privado de ar durante muito tempo – “Não há palavras que possam descrever…”.

19' 30''