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Reporter. Writer. Radio and multimedia producer  | Currently in Lisbon, Portugal  | Updating...


Fernando Veludo/NFactos

Portugal estendeu os braços. E se isso não chega?

Durante meses, houve casas e centros vazios postos à disposição de famílias de refugiados que tardavam em chegar a Portugal. A burocracia nos centros de registo e triagem (hotspots), na Grécia e em Itália, dificultou o processo de trazer refugiados para Portugal. Laurinda Faria, uma freira da Congregação das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus, uma instituição de solidariedade social que cedeu quatro casas para quatro famílias de refugiados, resumia bem essa frustração ao comentar ao PÚBLICO, no início de Maio: “Às vezes, penso que aqueles que foram buscá-los aos Balcãs é que fizeram bem”.

Esta frase é sintomática da vontade generalizada que o povo português tem expressado relativamente ao acolhimento de refugiados, no meio de uma União Europeia onde países como a França, o Reino Unido, a Áustria, a Polónia e a Eslováquia assistiram ao crescimento da extrema-direita ou da direita populista, ou ainda à recusa dos líderes polacos, húngaros, checos e eslovacos em aceitar as quotas de recolocação impostas para redistribuir 160 mil refugiados que chegaram à Itália e à Grécia.

Em Setembro de 2015, quando os portugueses foram confrontados com a imagem de Aylan Kurdi morto numa praia da Turquia, o país mobilizou-se em campanhas de solidariedade, caravanas de assistência que atravessaram os Balcãs e a criação da Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR), que reúne cerca de 30 organizações da sociedade civil para prestar apoio aos refugiados. No início de 2016, o primeiro-ministro, António Costa, disponibilizou-se para receber mais 5800 refugiados além da quota comunitária estabelecida em Setembro, de cerca de 4500 pessoas, o que significa que Portugal pode vir a acolher mais de 10 mil refugiados.

Aos que consideraram a generosidade portuguesa uma forma de ganhar margem de manobra nas negociações com Angela Merkel relativamente à “viragem da política de austeridade”, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, citado pelo jornal norte-americano Politico, respondeu: “Portugal não está a tentar ganhar pontos com a sua política com os refugiados, nem está a tentar ganhar capital para utilizar noutra área”.

Nove meses depois, desbloqueada parte da burocracia, Portugal tornou-se o segundo país da UE que mais pessoas acolheu, ao abrigo do programa de recolocação. Até ao dia 16 de Junho, Portugal tinha acolhido 379 refugiados vindos da Grécia e de Itália. Relativamente à reinstalação, que diz respeito aos refugiados que chegam de fora da União Europeia, foram distribuídos pelo país 51 entre 2015 e este ano. Os primeiros refugiados do programa de recolocação chegaram em Dezembro do ano passado, o que significa que os programas de acolhimento levam já mais de meio ano. Alguns dos principais agentes envolvidos na gestão da crise dos refugiados fazem um balanço positivo do acolhimento e estão optimistas quanto aos desafios da integração, enquanto alguns especialistas criticam as deficiências práticas do plano, bem como a falta de experiência e de formação das equipas no terreno.

Teresa Tito de Morais, presidente do Conselho Português para os Refugiados (CPR), diz que o processo de integração tem avanços e recuos, mas que, na grande maioria dos casos, os resultados são positivos. “Há um grande esforço da comunidade local para receber bem estas pessoas”, diz, sublinhando que as maiores dificuldades são ao nível do ensino da língua portuguesa. “Há sítios onde é mais fácil arranjar professores do que noutros”, conclui. A presidente do CPR diz que as equipas estão a aprender com os erros, mas que o mais importante é “manter viva a generosidade inicial, para que não esmoreça. Sentimos grande euforia no fim do ano passado e agora há quase uma banalização dessas situações”, comenta ao PÚBLICO. Esta banalização tem implicações nas ofertas feitas pelos governos locais. “As autarquias são mais cautelosas nas ofertas de lugares para refugiados que põem à disposição das organizações”, continua.

Rui Marques, um dos mentores da Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR), diz estar muito “confortável” com o modelo adoptado pela plataforma — “uma instituição, uma família” —, o que permitiu proporcionar alojamento autónomo em vez de acolhimento num centro de refugiados, algo que, considera, “facilita a integração”. A plataforma preparou um vídeo que é mostrado nos hotspots em que uma família fala da sua experiência em Portugal. Por isso mesmo, Rui Marques compreende que as expectativas que os refugiados trazem para o país sejam elevadas. “Aquilo que encontram na PAR é um paraíso face ao que têm na Grécia”, diz.

Teresa Tito de Morais assume que não tem informações sobre o que é dito aos refugiados nos hotspots e que o CPR não “alicia pessoas para virem para Portugal”, não podendo, assim, responder pela questão das expectativas que muitos dos refugiados com quem falámos demonstraram, nomeadamente no que respeita a terem uma casa própria. “Nenhum país pode dar uma casa a cada pessoa. Isso é irreal”, diz.

Para André Costa Jorge, director-geral do Serviço Jesuíta aos Refugiados, a atitude de Portugal face aos refugiados “é uma grande vitória num país demasiado estatizado onde é muito difícil romper com dinâmicas fechadas e formatadas”. No entanto, critica os atrasos nos fundos comunitários, que não estão a ser compensados pelo Governo. “Estamos a pagar do nosso bolso os custos com habitação, técnicos, serviços de apoio. Não há qualquer comparticipação”, diz. “A mobilização da sociedade civil não pode servir de mote a que o Estado não faça um esforço para acompanhar as instituições”, conclui.

A investigadora do Centro em Rede de Investigação e Antropologia do ISCTE, Cristina Santinho, diz que “há uma série de boas vontades políticas, pelo menos em termos formais, mas as práticas quotidianas e institucionais não reflectem essa vontade e, por isso, tudo falha”. Cristina Santinho critica, por exemplo, a inexistência de cursos de Português adaptados à diversidade dos refugiados.

Já Francesco Vacchiano, investigador do ICS, diz que o problema está naquilo a que chama “inserção subordinada”, que leva a que os refugiados entrem no país “nas camadas mais baixas da população”, o que faz com que fiquem muito vulnerabilizados. O risco “é que o programa seja bom à superfície, mas crie condições expulsivas e faça com que os refugiados acabem por ir embora”.

A este propósito, Cristina Santinho critica a ineficiente articulação entre os conhecimentos dos refugiados e as necessidades locais de emprego. “Há muitas instituições contentes porque criam empregos como fiel de armazém. Um engenheiro, um médico, um enfermeiro ou um jornalista dificilmente se sentirá bem a exercer uma profissão que não tem nada a ver com aquilo que ele domina em termos de conhecimento”, diz. Quando essa ajuda encontra frustração do lado dos refugiados, há ressentimento. “A boa vontade tem muitas vezes uma base caritativa: ‘Vamos acolhê-los bem porque eles são humanos como nós’. Mas, se alguma coisa corre mal, acabou-se a caridade porque eles são mal agradecidos e nem sequer querem viver em Portugal”, resume.

Cristina Santinho considera ainda que Portugal vive num “pingue-pongue emocional” no que diz respeito ao acolhimento de refugiados, oscilando entre uma “atitude de deslumbre, vontade humanística e caridosa” e um lado xenófobo que se traduz na frase “não os queremos cá”. Para esta investigadora, as duas atitudes devem-se à falta de formação e conhecimento. Por um lado, dos técnicos que não têm qualificação suficiente como mediadores culturais e muitas vezes desconhecem as “realidades das vidas dos refugiados”. Por outro, porque não há um esforço de explicar à sociedade em geral que “os fundos que estão a ser utilizados para o acolhimento e integração dos refugiados chegam da União Europeia e não saem do erário”, diz.

Rui Marques considera que as críticas relativas à falta de experiência técnica servem um propósito oposto ao da integração, sendo argumento a favor do não acolhimento. “Se estivéssemos perante uma situação normal… Nesta crise, que é a maior desde a II Guerra Mundial, não termos experiência técnica não significa que não tenhamos vontade. Não temos a experiência de outros países, mas vamos fazer melhor do que eles. Portugal não vai ter ataques racistas e xenófobos como a Alemanha”, diz.

Ver o especial multimédia do Dia Mundial do Refugiado.

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