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Reporter. Writer. Radio and multimedia producer  | Currently in Lisbon, Portugal  | Updating...


São jovens. Emigrantes qualificados. E só querem voltar

Nuno aponta o dedo indicador direito: “É este o objectivo.” À sua frente estendem-se centenas de hectares de planícies verdejantes e bem tratadas. O jipe todo-o-terreno avança sem sobressaltos pelo monte Silveira, a exploração agrícola dos primos, onde criam cavalos lusitanos, cabeças de gado e ovelhas. Estamos a poucos quilómetros do Ladoeiro, na região da Beira Baixa. Às 11h, o Sol, quase na vertical, queima a pele e a luz ofusca os olhos. Nos campos, os blocos de feno parecem feitos de ouro. Estão 35º e o calor é quase insuportável. Mas Nuno não se queixa. Chegou no dia anterior de Brno, na República Checa, e está com saudades das altas temperaturas. “Isto é espectacular. Lá tenho de andar com camisolas de lã no meio do Verão.”

Nuno Ferreira, 30 anos, podia estar a trabalhar em Portugal, mas não quis viver em Lisboa com 500 ou 600 euros por mês. Depois de acabar a licenciatura em Informática para a Saúde na Escola Superior de Tecnologia do Instituto Politécnico de Castelo Branco, esteve dois meses desempregado. Passou algum tempo na Guiana Francesa a instalar painéis solares – um trabalho duro, em nada relacionado com a sua licenciatura, mas bem pago. Repetiu a experiência, na Martinica. A partir daí, Nuno, que sempre se opusera à ideia de emigrar, começou a pensar em procurar emprego fora do país. Enviou currículos para vários países e a primeira resposta chegou-lhe da República Checa. Depois de três entrevistas por Skype foi contratado. Em Outubro de 2011 começou a trabalhar na AT&T, uma operadora de telecomunicações, em Brno. No seu departamento estão mais dez portugueses. Nuno está convencido de que os portugueses são bons trabalhadores e evoluem rapidamente. Ele próprio foi promovido ao fim de seis meses e agora dirige uma equipa de engenharia de redes. Tem consciência de que o seu ordenado – 1500 euros – podia ser muito superior se estivesse na Alemanha, por exemplo, mas por agora está satisfeito. O custo de vida em Brno não é muito elevado – com habitação e respectivas despesas, por exemplo, gasta 260 euros – e Nuno consegue poupar cerca de 1000 euros todos os meses.

Nos últimos cinco anos, a emigração portuguesa voltou a aumentar, mas não há um acordo relativamente aos valores deste fenómeno. Segundo dados de Janeiro de 2013, o Instituto Nacional de Estatística indicou que em 2011 teriam emigrado 44 mil portugueses. A Secretaria de Estado das Comunidades fala em mais do dobro, referindo que terão saído do país 100 mil a 120 mil portugueses por ano.
Pouco se sabe, também, sobre as características desta emigração.

Jorge Malheiros, geógrafo e professor no Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, explica que “não há nenhum sistema de recolha de informação que nos permita saber com rigor a estrutura de qualificação de emigrantes”.

Segundo João Peixoto, do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa, “há mais dúvidas do que certezas. Não sabemos quantos [emigrantes] são qualificados, quantos são jovens, qual é a sua região de origem, qual é a sua idade”. Para tentar responder a estas questões, o investigador está a trabalhar neste momento num estudo académico que envolve os países do Sul da Europa – Portugal, Espanha, Itália e Grécia – e a Irlanda e que pretende determinar a dimensão e as características dos novos movimentos migratórios, em particular dos jovens qualificados.

Os primeiros resultados deste estudo deverão ser divulgados já em Setembro. João Peixoto adiantou à Revista 2 que, “entre todos os países da periferia, Portugal pode ser o mais afectado pelas saídas recentes”. Para o investigador, esta é uma situação “grave”, uma vez que “somos um país com escassez de jovens e de qualificações, e estão a sair dois dos recursos mais preciosos que temos”.

José Carlos Marques, investigador do Núcleo de Estudos das Migrações do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, explica que “há diversos tipos de fluxos migratórios – uns mais permanentes, outros mais circulares, como quando se trabalha um tempo fora, se regressa a Portugal e volta a sair, uns de longa duração, outros de duração mais reduzida”, e que é difícil quantificar todas estas diferenças.

João Peixoto está convencido de que muitos dos planos destes novos emigrantes são “indefinidos”, isto porque o mercado de trabalho mudou, tornando-se mais sujeito à flexibilidade e criando uma maior incerteza nos projectos de vida: “Nos anos 1960, quando se ia para fora, a probabilidade de encontrar emprego para toda a vida era gigantesca. Hoje não há mais empregos desses em nenhum sector e em nenhum país do mundo.” De acordo com o investigador do ISEG, grande parte dos jovens qualificados terá percursos precários.

Nuno não vinha a Portugal desde Abril deste ano. Aquilo de que tem mais saudades, diz, é da família, do campo, da comida e do clima – “por esta ordem”. Vai passar as próximas três semanas em contacto com tudo aquilo que lhe faz mais falta. Assim que chegou, comeu um bife e bebeu uma cerveja portuguesa, enquanto assistia à vitória do seu clube, o Sporting, sobre a Fiorentina. Pareceu-lhe um bom começo. No final das férias, vai com os amigos até Lagos, onde alugaram uma casa para uns dias de praia.

No cimo do monte, Filipa Navarro, a prima de Nuno, recebe-o e leva-o a ver os animais. Quando nos aproximamos do gado que está a pastar, Nuno entusiasma-se: “Aquilo é que era…” “Aquilo” é o sonho de Nuno desde que em criança vivia com os pais num monte onde tinham ovelhas e cabras e produziam queijo e leite: ser agricultor. O objectivo do jovem é juntar dinheiro suficiente para conseguir ter um monte semelhante ao dos primos. À semelhança dos emigrantes portugueses da década de 1960 e 70, que construíram grandiosas vivendas em Portugal, para um dia poderem regressar, Nuno vai gastar o dinheiro que juntar na construção da sua quinta. “Quero dedicar-me à produção animal. Às vacas!” Enumera algumas das condições do programa de incentivos aos jovens agricultores e vemo-lo a fazer contas de cabeça. Neste momento tem 17 hectares de terreno dividido pelas duas quintas que um dia espera vir a herdar dos pais. Os primos têm 600. Nuno gostava de chegar a esse número. Ficamos com a sensação de que está tudo planeado. Como se a vida que tem agora fosse apenas uma etapa para concretizar um objectivo ulterior. No dia em que achar que pode investir num projecto que lhe garanta algum retorno, Nuno põe a engenharia informática de lado, volta para Portugal e torna-se agricultor.

A partir de Outubro vai começar a procurar emprego em países onde possa ganhar mais face à realidade portuguesa, para conseguir poupar mais dinheiro. Mas não pensa no Norte da Europa. Nuno quer ir para a Austrália. Por causa do sol.

Miguel Soares, 29 anos, está impaciente. Cada minuto de entrevista é um minuto em que não está em cima da prancha de surf. Acompanhamo-lo de carro entre Lisboa e a Praia Grande. As duas semanas de férias em Portugal acabam dentro de dois dias e há que aproveitar. “Lá nunca posso ir para dentro de água.”

Miguel vive há três anos em Macau. Terminou o curso de Informática e Gestão de Empresas no ISCTE em 2008. Trabalhou como técnico informático durante um ano e em 2009 decidiu que estava na altura de ter uma experiência internacional para evoluir na carreira. Através do Inov Contacto, programa de estágios para jovens gerido pela Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, estagiou na Companhia de Electricidade de Macau. O estágio durou seis meses e no final pediram-lhe para ficar. Vem uma vez por ano para visitar a família e os amigos, ir ao Bairro Alto, em Lisboa, e aos restaurantes de comida portuguesa, e para o “surf, surf, surf”. Passou grande parte dos últimos 15 dias na praia e ainda não está satisfeito. “Não há mais surf nos próximos 365 dias.” O que é que custa mais quando se está fora? “Quando estamos cá é que vemos o que custa estar lá fora. Lá é como se tivéssemos uma defesa… não pensamos nisso.” Miguel mantém os olhos na estrada. Não há um desvio, uma hesitação. Só tem mais dois dias. Temos de chegar à praia.

O jovem engenheiro gosta de Macau. Tem viajado pelo Sudeste asiático e pensa que estes três anos foram muito enriquecedores a nível profissional e cultural. A integração, diz, não foi difícil. Até porque a presença portuguesa “nota-se muito nas ruas”. Miguel não se refere aos vestígios da administração portuguesa, que terminou em 1999, mas ao crescente número de portugueses que emigraram para Macau nos últimos anos.

Mas Miguel sente que perde muito por estar longe. “Perdemos as histórias” – o entusiasmo do surfista abranda por um momento. Não há defesas. “Perdi casamentos de amigos, o nascimento dos filhos deles. Tanto…” E numa frase resume a distância: “A vida continua e nós estamos do outro lado.”

Chegámos à Praia Grande. Miguel veste o fato de surf em poucos minutos. Queixamo-nos do calor. “Neste momento em Macau está um tufão nível 3. Estou com uma vontade de voltar…” – sorri, desdenhoso. E corre para dentro de água.

No monte Silveira, Filipa mostra ao primo Nuno aquilo que mudou desde a última vez que ele veio a Portugal. As obras no picadeiro ficaram prontas e começaram outras para permitir receber turistas na propriedade. Alguns cavalos foram vendidos. Mas o que Nuno quer mesmo é ver António, o filho de Filipa, que nasceu há um ano, no dia em que Nuno regressou a Brno numa das três vezes em que veio a Portugal em 2012. “Estávamos todos a ver se ele nascia enquanto o Nuno ainda estava cá, mas não foi a tempo”, diz Filipa.

Nuno também tem a sensação de que perde muita coisa por não estar cá. “Os primos estão na idade de ter filhos. Quando me fui embora, começaram a nascer… Agora vou ver o António e não sei como é que ele está.” Teve de pôr fim a um namoro por causa da distância. Nos últimos dois anos veio a Portugal seis vezes – no Verão, no Natal, e umas semanas entre essas duas épocas. Mas era complicado ver a namorada apenas duas ou três vezes por ano. Juntando os dias de folga, conseguia passar algum tempo no país, para além dos habituais períodos de férias. Mas a partir de agora só vem em Agosto e Dezembro. “Em Abril está tudo a trabalhar, não dá para estar com ninguém.” O bebé acorda. “Já não te lembras de mim?” António ri-se e deixa-se pegar ao colo pelo primo. Filipa está novamente grávida e espera-se que o segundo filho nasça em Dezembro. À semelhança do que aconteceu antes, Nuno marcou três semanas de férias nesse mês. Talvez possa conhecer o novo bebé nessa altura.

Em Outubro de 2012, Susana Dimas, 25 anos, decidiu trocar Portugal pela Suíça, mas não teve de se despedir de toda a família e não foi viver sozinha para um país diferente. O pai de Susana, António Luís Dimas, 53 anos, trabalhador da construção civil, emigrara em Março do mesmo ano, depois de ter perdido o emprego. Susana e António Luís vivem os dois em Sion, uma comuna suíça, no cantão francês. Quando terminou a licenciatura em Arquitectura na Universidade Autónoma de Lisboa, em Junho de 2012, Susana já tinha na cabeça que iria para a Suíça. Durante o curso, vários professores aconselharam-na e aos colegas a procurarem trabalho lá fora. Susana viu os amigos enviarem CV para mais de cem ateliers portugueses, sem obterem resposta. A jovem arquitecta nunca chegou a enviar o seu. “Nem merecia a pena. Pagar para trabalhar?!”, comenta o pai.

António Luís já encara com naturalidade viver e trabalhar fora do país. Era recém-nascido quando os pais se mudaram para a Guiné. Com dois anos, foi viver para Angola. A primeira vez que veio a Portugal foi depois da revolução de 1974, com 14 anos. Nessa altura não se sentia emigrante: “Aquilo era português.” Em 1991, como não arranjava trabalho no país, foi para a Alemanha. Ficou apenas seis ou sete meses. Teve receio de que Susana, na altura com três anos, não se adaptasse bem a uma escola alemã. Durante muito tempo, António Luís conduziu transportes de mercadorias por toda a Europa. “Eu tenho um grande espírito de aventura. Conheço o mundo todo.”

Susana acha que herdou esse traço do pai. “Sempre vi o meu pai a trabalhar lá fora e pensei “se ele consegue, também hei-de conseguir. Se aqui não está a dar, tenho de sair”.” Quando chegou à Suíça, Susana organizou uma lista com os vários ateliers de arquitectura e escolheu aquele de que gostava mais. Antes de enviar o currículo, fez um curso intensivo de francês. Tinha consciência de que precisava de falar a língua para poder trabalhar no país. Em Dezembro enviou o primeiro portefólio e em menos de um mês recebeu um telefonema para marcarem uma entrevista. Não ficou. Queriam alguém fluente. Agora está a estagiar num atelier em Sion. Na entrevista perguntaram-lhe se ela tinha disponibilidade para ficar depois do estágio e quanto pensava receber. Susana foi modesta e pediu mil francos, o que, considera, não é mau para uma estagiária que não domina a língua. O pai conta, orgulhoso, que a filha se saiu bem logo à primeira, e que o primeiro projecto em que trabalhou – uma creche e centro de dia – está prestes a ser construído. Os olhos de António brilham. “A Susana foi sempre a melhor da turma.” A filha, envergonhada, desmente. Diz que teve sempre boas notas, mas que nunca foi a melhor aluna. “É frustrante. Caramba!”, desabafa António, irritado com um país onde os melhores têm de ir embora: “Mesmo quem quer ficar a trabalhar como caixa de supermercado, baixando o nível de vida, não pode. Não aceitam por serem demasiado qualificados.”

Pai e filha estão maravilhados com a Suíça. Elogiam a organização do país e a forma como os suíços estimam tudo o que lhes pertence. Estamos no Parque das Nações, sentados junto ao Pavilhão de Portugal, de Siza Vieira. As comparações são inevitáveis. “Que tipo de país é que abandona um edifício destes?”, pergunta António. Entristece-o ver o estado a que as coisas chegaram. Apesar de estar habituado a viver fora e de considerar que temos de nos adaptar às circunstâncias, gostava de viver em Portugal: “É o nosso país.” Olha à sua volta e emociona-se. Com os braços, faz um movimento abrangente. “Tudo o que eu já fiz em Portugal… A Ponte Vasco da Gama, do meio para lá, tudo o que pisar tem trabalho meu. As obras que eu fiz vão ficar.” Aquilo que mais o incomoda é ver o desgaste e a tristeza nos rostos de toda a gente. Há oito meses que Susana não vinha a Portugal. Assim que chega começa a ouvir toda a gente a lamentar-se e isso entristece-a. Susana diz não saber o que vai acontecer a Portugal. Agora, sente-se segura na Suíça e imagina-se a viver lá. No atelier tem amigos suíços e franceses, com quem faz caminhadas e piqueniques. Mas tem saudades de Portugal. E sente a falta dos amigos portugueses. Este Verão vai aproveitar para passar tempo com eles. Hoje está de volta do festival de Paredes de Coura, o seu grande plano para estas férias. Quando a jovem está mais desanimada, António tem de a apoiar: “Alicio-a a olhar para a frente. Ela sabe o que a levou à Suíça e tem de fazer por isso. Não foi lá passear. Foi semear um futuro.”

Susana ainda espera poder construir esse futuro em Portugal. Gostava de voltar e criar um projecto com os amigos. O pai já pensa de outra forma: “Já meti na cabeça que a táctica agora é outra. Agora é para ficar lá. Se me reformar cá, recebo 600 euros. Lá recebo 3000.”

Depois de almoçar num dos seus restaurantes preferidos, Nuno leva-nos a visitar uma das suas quintas, nos Escalos de Baixo, uma pequena aldeia a 12 quilómetros de Castelo Branco. O caminho para lá chegar é tortuoso e avançamos aos solavancos. Ouve-se um som de galope. Quatro cavalos aproximam-se do jipe. Como cães gigantes, vêm cumprimentar o dono. Andam livres na quinta. Ao contrário dos cavalos do monte Silveira, estes não estão tratados e não são para venda. “Uma vez vendemos um e a minha mãe chorou”, diz Nuno. FlechaCeltaBruma eHerói são os quatro cavalos lusitanos de estimação de Nuno. O jovem alimenta os animais e aproveita para brincar com uma cadela e com as centenas de pequenos gatos que vão nascendo na quinta. Mostra-nos as terras com as oliveiras e as árvores de fruto – laranjeiras, limoeiros, pereiras. Não produzem para venda, apenas para consumo próprio. Mas Nuno acha que esta quinta é um bom ponto de partida para o seu projecto agrícola. Ao contrário de António, Nuno quer voltar e trabalhar no país: “Não quero ser daqueles que voltam para a reforma, aos 50 ou aos 60 anos.” Espera poder fazê-lo dentro de dois anos, mas não sabe se isso será possível. “Tudo depende daquilo que eu conseguir juntar, da situação em que o país vai ficar…” Pensa em criar família fora de Portugal? “Não! Quero que os meus filhos sejam portugueses.”

Miguel nunca pensou ter filhos em Macau. “Gostava de os ter cá. Não sei se é possível, mas espero que sim.” Tem esse desejo, mas não sabe como vai concretizá-lo. Aquilo que ele queria mesmo era voltar para Portugal, mas acha que isso só vai ser possível nos próximos dez ou 15 anos. Já terá constituído família em Macau por essa altura? Neste momento, voltar está fora de questão. Está convencido de que se arranjasse emprego em Portugal lhe ofereceriam o mesmo que recebia há seis anos. Para além disso, quando saiu, “ainda não havia a brutalidade de austeridade que existe hoje”, pelo que Miguel não consegue imaginar quais seriam as condições reais de viver em Portugal neste momento. Acompanha a situação dos amigos e diz que eles vivem “num medo constante” – medo de perder o emprego, medo de deixar o país e ter de começar do zero, medo de não encontrar emprego lá fora. O jovem engenheiro informático segue a actualidade nacional. Quando ouve o anúncio de uma nova medida de austeridade, não vive as notícias com tanta intensidade como os amigos. Miguel não sente no bolso cada aumento dos impostos, cada corte nos subsídios, mas pensa sempre: “Estou cada vez mais longe de voltar. Portugal está cada vez mais longe.”

Mariana Rocha Ferreira, 27 anos, vive em Nova Iorque há um ano, mas sabe que quando quiser regressar a Portugal pode fazê-lo: “Sou uma privilegiada. Tenho a oportunidade de poder voltar se quiser.” Mariana conhece muitos portugueses espalhados pelo mundo e diz que “todos, sem excepção, pensam: “Nós queremos voltar””, mesmo que não o possam fazer.

Mariana estudou Business Administration na Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica do Porto e neste momento está a abrir a filial da empresa de vinho do Porto do futuro sogro em Nova Iorque. O noivo de Mariana, Fernando van Zeller, decidiu que queria tirar um MBA na Universidade de Nova Iorque. Como Mariana ia com frequência aos Estados Unidos, o casal pensou que fazia sentido mudarem-se os dois para Nova Iorque.

No dia 28 de Setembro vêm casar-se a Portugal. Para Mariana não seria possível casar-se noutro país. Nasceu, cresceu e viveu praticamente toda a vida no Porto. “Adoro, adoro, adoro. Não troco o Porto por nada. E já vivi em quatro países: antes dos Estados Unidos, fiz Erasmus em Itália, tirei uma pós-graduação em Espanha e trabalhei em Inglaterra.” Só não vai casar-se no Porto porque ela e o noivo decidiram que o copo-d”água seria no Solar das Bouças, propriedade da família de Fernando, perto de Braga.

Desde há nove meses que Mariana anda entre Portugal e os Estados Unidos a tratar dos preparativos. Quando vem, tem os dias organizados praticamente ao minuto, para não deixar nada por fazer. Chegou há uma hora de Nova Iorque, mas está cheia de energia. Conduz cerca de 50 quilómetros até ao solar. Quer ver o espaço e acertar com a mãe, Madalena, responsável pela decoração, alguns pormenores. Como o tipo de flores. Mariana quer hidrângeas brancas, que provavelmente terão de vir da Holanda porque em Setembro são difíceis de encontrar. O planeamento está avançado. Mãe e filha discutem onde colocar os pufes, as mesas com os aperitivos e as bebidas. Madalena quer enfeitar a entrada do solar com uns castiçais. Mariana não está convencida. Insiste em pendurar pequenas lanternas numa ramada de vinha. Madalena tira medidas e fotografias e tenta conter a filha: “Mariana, não pode ficar tudo enfeitado senão parece o S. João.”

A jovem almoça em casa dos avós maternos, no centro do Porto. À mesa, Mariana quer saber se a avó já comprou o vestido que vai usar no seu casamento e pede-lhe ajuda para encontrar a oração que vai dizer nesse dia. A jovem não tem muito tempo. Vai ao cabeleireiro fazer madeixas que deverão durar até Setembro. Depois, tem de ir buscar os sapatos da boda. Mariana tem duas vidas paralelas – uma em Nova Iorque e outra no Porto, onde mantém as rotinas de sempre. Mesmo antes de começar os preparativos para o casamento, vinha a Portugal de três em três meses. É quase como se não vivesse fora. Mas não é assim. Sente que nunca está inteiramente bem: “Cá tenho saudades do Fernando e lá tenho saudades de tudo o que perco cá.” O ideal é quando estão os dois em Portugal, junto da família e dos amigos. É por isso que Mariana sabe que vão voltar, mesmo que isso implique, nas palavras da jovem, “um decréscimo económico grande”. Para o casal, a qualidade de vida não se mede pelo dinheiro que se ganha e não há país que ofereça melhor qualidade de vida do que Portugal. Na verdade, Mariana, que adora Nova Iorque, admite que a cidade pode ser um “sítio horrível” para quem tem um “sentido de família” tão forte como o seu e não consegue compreender as relações efémeras que vê lá fora. Os avós de Fernando eram os melhores amigos dos avós de Mariana, que desde pequena brincava com o futuro noivo no solar onde agora se vão casar. Por tudo isto, Madalena também não tem dúvidas de que a filha vai regressar. Só a avó materna, Teté, é que não está totalmente convencida. Quando a neta foi viver para Nova Iorque, pensou que iria ver repetir-se a história do seu irmão, que emigrou aos 18 anos e por lá ficou. “Vou perder mais um para os Estados Unidos”, lamentou na altura.

Mariana ainda não sabe se volta daqui a dois, três ou cinco anos. Mas sabe o que tem de fazer para garantir que não fica a viver do outro lado do Atlântico. Ao contrário daquilo que aconteceu com o seu tio-avô, os filhos de Mariana não vão ser educados nos Estados Unidos: “A única coisa certa na vida dessas crianças é que não vivem mais de dois anos em Nova Iorque.” Mariana vê os filhos de amigos portugueses a viver nos EUA e considera que estão “demasiado americanizados”. Quer dar aos seus filhos a oportunidade de crescerem no Porto, de viverem a poucos quilómetros dos avós e dos bisavós, de criarem amizades que durem a vida inteira – “O que eu percebo nos Estados Unidos, por exemplo, é que as pessoas fazem amigos efémeros.” E de sentirem orgulho no país de que ela tanto gosta. Mariana vai voltar para Portugal para que os seus filhos sejam portugueses.

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