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«Falem» pedem os catalães. E ninguém parece ouvir

Carmen Joval e Ramon Tous conheceram-se diante da Câmara Municipal de Barcelona no sábado de manhã e todas as suas expressões corporais e faciais denunciavam a excitação de encontrar alguém com quem é fácil conversar.

«Conhecemo-nos agora, mas é assim que deve ser. As ruas de uma cidade servem para isto, para que as pessoas conversem umas com as outras», diz Ramon Tous, um médico catalão de 69 anos que sempre foi a favor da independência da Catalunha.

«Precisamos de escutar todos. O país que vamos construir terá de ser construído por todos nós», diz Carmen Joval, uma professora primária reformada que se sente catalã e espanhola e quer uma Espanha unida.

Ramon Tous e Carmen Joval estavam entre os milhares de catalães que protestaram em silêncio no passado sábado de manhã em Barcelona. A multidão vestiu-se de branco e abdicou dos slogans políticos e das bandeiras. Em vez disso, acenou cartazes onde se lia «Falem» em catalão e em castelhano, um apelo ao diálogo entre o governo central de Madrid e o governo regional catalão.

O diálogo entre as duas partes ficou suspenso desde domingo 1 de outubro, quando quase 2,3 milhões de catalães votaram num referendo declarado ilegal por Madrid e pelos tribunais nacionais.

A polícia espanhola, enviada pelo governo central, usou balas de borracha para dispersar os locais de voto e apreendeu várias urnas. O governo catalão diz que 893 pessoas ficaram feridas. O ministério do Interior de Espanha diz que dezenas de polícias espanhóis também ficaram feridos.

A opinião internacional condenou a violência utilizada pelo governo de Mariano Rajoy. Apesar dos confrontos, a votação ocorreu um pouco por toda a região da Catalunha, tendo o governo regional anunciado que 90% dos votantes se tinham pronunciado a favor da separação de Espanha. O governo central não reconhece o referendo.

Carles Puidgemont anunciou que, com base nos resultados, declararia a independência da Catalunha. O anúncio é esperado esta terça-feira. Para aqueles que esperavam que o rei Filipe VI estabelecesse uma ponte entre ambas as partes, o discurso da semana passada, em que acusou os líderes separatistas de «deslealdade inadmissível» foi uma desilusão.

Os eventos da última semana aumentaram a polarização na Catalunha e nas ruas de Barcelona muitos temem não haver solução para a situação desencadeada pelo referendo do dia 1 de outubro. O grupo que protestou no sábado em frente à câmara municipal aponta o dedo a ambas as partes e lembra que a «política é feita de negociação», mas teme que não haja ninguém na política nacional ou regional capaz de os representar.

«O governo catalão não respeita os procedimentos legais e devia parar com esta fuga para a frente, mas o Estado espanhol recusa-se a levar em consideração o mal-estar do povo catalão e não oferece uma alternativa que satisfaça a população. Nem o primeiro-ministro espanhol nem o rei dirigiram uma palavra aos catalães que estão no meu lugar, que querem respeitar a lei, mas querem ver mudanças. Há muita gente na minha posição, mas é uma posição impossível, uma posição sem esperança», diz Eva Anduiza, cientista política na Universidade Autónoma de Barcelona, também presente na manifestação de sábado.

«Ninguém pode mediar esta crise»

Uma semana após o referendo, o primeiro-ministro espanhol Mariano Rajoy disse ao diário El País que não irá negociar com aqueles que «ameaçam a unidade de Espanha», afastando o pedido do partido Podemos para encontrar um mediador entre as duas partes. «O governo espanhol não cede a chantagem», disse.

O cientista política da Universidade Pompeu Fabra em Barcelona Carles Ramió Matas acredita que «ninguém pode mediar esta crise». «Nem a Igreja, nem a União Europeia. Isto é uma disputa entre o Estado espanhol, que tem todo o poder, e o governo catalão, que é o elo mais fraco e que não pode dar um passo atrás na promessa da declaração de independência porque tem a rua muito mobilizada», diz.

André Pirralha, um cientista político português na mesma universidade, concorda com esta posição e diz que não há um fim à vista para o braço de ferro.

«A maioria dos especialistas concorda que, se os catalães pudessem escolher entre manter o status-quo, a independência ou uma terceira via que implicasse mudanças na Constituição, a maioria escolheria essa terceira via», diz o cientista político Carles Ramió Matas.

«O verdadeiro problema não está nesta situação atual, mas na estrutura do Estado espanhol, definida na Constituição de 1978, e na solução conhecida como ‘café para todos’ que significou que cada região recebeu um certo grau de autonomia, mesmo as regiões que não se consideravam nações», diz.

Carles Ramió Matas diz que «a maioria dos especialistas concorda que, se os catalães pudessem escolher entre manter o status-quo, a independência ou uma terceira via que implicasse mudanças na Constituição, a maioria escolheria essa terceira via.»

Essa terceira traduzir-se-ia, de acordo com Matas, no aprofundamento real do Estado espanhol enquanto projeto federal preservando a solução ‘café para todos’, mas oferecendo às regiões que se consideram nações soluções especiais, o chamado ‘café com licor’. «Não é claro, no entanto, que a sociedade espanhola esteja preparada para este tipo de compromisso», diz o especialista. Compromisso que, explica, poderia passar por dotar a Catalunha de competências fiscais e permitir uma equipa nacional catalã para alguns desportos, por exemplo.

Uma Catalunha fraturada

É difícil encontrar alguém em Barcelona que acredite numa solução «boa» para a polarização que se vive hoje. Mas muitos dizem que a partir de agora, tudo vai ser possível. Incluindo a declaração unilateral da independência, na terça-feira.

Em entrevista ao El País, Mariano Rajoy afirmou que se o governo catalão anunciar a separação de Espanha, pode ver-se obrigado a ativar o artigo 155 da Constituição, que permite ao governo central suspender a autonomia da região e assumir o controlo da Catalunha.

O mal-estar é evidente mesmo entre os independentistas e as divisões neste campo começam a chegar à superfície. O antigo presidente da Catalunha Artur Mas, do partido pró-independentista no governo PDeCat, disse na semana passada que a região não está preparada para «independência real».

«Espero pela independência desde que me lembro, mas sei fazer contas de somar. E neste momento não há uma maioria favorável à independência. E se a independência for declarada unilateralmente, só a Coreia do Norte e a Venezuela nos vão apoiar.»

No protesto pelo diálogo em Barcelona estava Alex Ros, empresário na área de turismo de 48 anos.

«Espero pela independência desde que me lembro, mas sou um independentista que sabe fazer contas de somar. Sei que neste momento não há uma maioria favorável à independência. E se a independência for declarada unilateralmente, só a Coreia do Norte e a Venezuela nos vão apoiar. Não é assim que deve ser. Só podemos chegar à independência através do voto num referendo legal», diz.

Após uma semana de manifestações, greve geral e polarização generalizada, Alex diz que os catalães não sabem o que esperar.

«Estamos exaustos, não dormimos há dias. Vivemos o dia a dia agora. Depois de atingirmos este ponto não há nenhuma solução ótima. Mas aquilo que me preocupa realmente é ver a Catalunha dividida: amigos a discutir uns com os outros, familiares de costas voltadas… Eu sou pela independência, mas sou um patriota dos amigos em primeiro lugar. Aconteça o que acontecer, vai ser muito difícil sarar estas fraturas.»

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