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Reporter. Writer. Radio and multimedia producer  | Currently in Lisbon, Portugal  | Updating...


Photograph: Catarina Fernandes Martins

Refugiados encurralados na Croácia. Já há famílias separadas

Harmica, Bregana e Tovarnik, CROÁCIA – Nazir Amiri chegou a Harmica, na fronteira entre a Croácia e a Eslovénia, num BMW branco. O jovem afegão de 20 anos viajou durante 40 dias até chegar a Zagreb. Aí, enquanto a maioria dos refugiados esperava em centros de acolhimento pelos autocarros que os levariam para fora da capital croata, Nazir foi recebido pela mulher do irmão, trabalhador na Alemanha depois de há seis anos ter fugido do país natal. Terá sido, porventura, a viagem mais confortável em todo o percurso, registado fotograficamente no telemóvel. Nazir Amiri tirou selfies desde que saiu de Cabul e atravessou Paquistão, Irão, Turquia, Grécia, Macedónia e Sérvia, última paragem antes da Croácia. E fê-lo por duas razões que para si se revestem da maior utilidade e que em nada têm que ver com a exposição social. Nazir quis guardar a prova de ser afegão, caso algum dia seja confrontado com a acusação de que não é quem diz ser. Por isso, aparece em dezenas de fotografias com paisagens com cores características por detrás de si. Mas, acima de tudo, Nazir quer enviar as fotografias aos familiares e amigos que, em Cabul, se preparam para iniciar a mesma viagem.

O número de refugiados que chegam à Europa não para de aumentar e quase todos encontram o mesmo destino. Encurralados entre países que os rejeitam, ficam confinados a campos improvisados onde as condições de higiene deixam muito a desejar. As casas de banho portáteis instaladas nestes locais são claramente insuficientes para as pessoas aí acampadas. O lixo abunda por todo o lado. Os chuveiros são improvisados com mangueiras ao ar livre.

Ainda que se tenha deslocado de forma diferente, Nazir viu-se nessas mesmas condições quando chegou aquela fronteira com a Eslovénia, onde centenas de pessoas dormiram no meio da ponte que separa Hormica de Rigonce, no lado esloveno, aconchegando-se como podiam, nos corpos dos familiares, sob o olhar atento da polícia, totalmente equipada com bastões e escudos para prevenir a passagem para o lado de lá. Hora antes, essa mesma polícia de choque reagiu aos protestos dos refugiados que pediam, em coro, liberdade para atravessar a fronteira. A polícia usou gás-pimenta e, segundo testemunhas no local ouvidas pelo Diário de Notícias, nem as crianças foram poupadas.

Nos últimos dias, a Croácia anunciou ter recebido quase 20 mil migrantes que entraram no país depois de a Hungria ter fechado a fronteira com a Sérvia, o que levou a uma movimentação em massa de refugiados para aquele país dos Balcãs. Na sexta-feira, o Governo croata decidiu deslocar os refugiados em autocarros para as fronteiras com a Eslovénia e a Hungria, empurrando o problema para os países vizinhos, que rejeitam uma solução ou não oferecem a solução necessária. No sábado, a Hungria concluiu o muro de arame farpado que encerrou também a sua fronteira com a Croácia. A Eslovénia começou finalmente a aceitar números limitados de migrantes.

“Aqui não tenho nada, mas tenho paz”

Depois de o caos absoluto que se viveu nas primeiras horas da chegada dos refugiados a Hormica, vários voluntários começaram a chegar ao local e a encontrar soluções para alguns problemas. Kristina, 33 anos, é uma dessas croatas que chegaram a Hormica logo no sábado, munida de cobertores e fraldas e pronta a ajudar. O grupo que se juntou nesta cidade fronteiriça tem estado a montar tendas de exército com dezenas de colchões no interior, a distribuir comida e roupa e a fazer limpeza. “Organizamos a roupa por género para que eles possam escolher com mais facilidade. Desinfetamos as tendas e os colchões quando eles saem para evitar doenças”, disse Kristina ao Diário de Notícias.

Mustafa, 26 anos, é natural de Bagdad, no Iraque. Professor e barbeiro de profissão, o jovem diz ter deixado o seu país por causa da guerra. “Muitos familiares e amigos morreram. Andar pelas ruas de Bagdad hoje é olhar para um prédio e dizer: ‘Este morreu a semana passada; aquele morreu ontem’”, diz. Para sair, vendeu o carro e juntou 5000 dólares, utilizados para pagar as várias fases da viagem. Está em trânsito para a Áustria, onde o espera o irmão mais velho, residente na Suécia, onde Mustafa deseja criar um novo lar. Para trás ficou tudo. “Tenho tudo lá – casa, dinheiro, tudo. Só não tenho paz. Sinto falta de tudo aqui”, diz. Depois, pousa firmemente a mão na terra onde se senta e diz: “Mas sinto paz”. Em Bagdad ficaram também a mãe e o irmão mais novo de Mustafa. Os dois irmãos mais velhos irão preparar a viagem destes membros da família, mas não para já. O irmão mais novo quer terminar a Universidade em Bagdad e só depois seguirá para a Europa com a mãe. Enquanto Mustafa fala com o Diário de Notícias, um voluntário oferece um saco com brinquedos à filha deste, com dois anos. A menina escolhe alguns e devolve o saco ao homem, que não o aceita de volta.

“As pessoas croatas deram-nos tudo: sacos-cama, comida, roupa… Tudo”, diz, grato. Ao mesmo tempo, um grupo de refugiados está junto à barreira policial e grita: “Queremos passar. Queremos passar”. Mustafa fica a observá-los e aponta o braço na direção de Rigonce. “Não percebo o problema da Eslovénia. Nós não queremos ficar aqui. Ninguém quer. Só queremos passar.”

A maior parte dos refugiados fala da Alemanha ou da Noruega como destinos de eleição pela riqueza e os benefícios sociais e da estabilidade. Mas outros, como Abad, 35 anos, pensam na questão da distância. “Quero um país o mais longe possível do Estado Islâmico”, diz, depois de nos ter mostrado as mãos cobertas de queimaduras de cigarros. Abad vivia no Iraque, em Mossul, sob o julgo auto-proclamado Estado Islâmico. “Eu sou fumador e quando me apanharam a fumar, (o Estado Islâmico proíbe o consumo de cigarros, considerados um pecado) pediram-me 2000 dólares (cerca de 1700 euros) de multa. Depois, castigaram-me queimando-me as mãos”.

Tal como em Hormica, os voluntários organizaram-se também em Tovarnik, a vila croata na fronteira com a Sérvia transformada num campo de refugiados improvisado para mais de 4000 refugiados. Nesta pequena vila sem hotéis, a maioria das casas privadas foi transformada em habitação provisória para jornalistas de todo o mundo e voluntários europeus. Na zona destinada aos refugiados há tendas montadas pelos Médicos sem Fronteiras e por grupos não organizados que distribuem comida e roupa e brincam com as crianças. O responsável pela organização médica em Tovarnik, Jota Echevarría, disse ao Diário de Notícias que aí são atendidas entre 200 a 250 pessoas por dia, sendo que 30% dessas são crianças. Os principais problemas com que os médicos se deparam são situações de cansaço extremo, desidratação, problemas de pele e diarreia.

Famílias separadas

Em Bregana, numa outra fronteira croata com a Eslovénia,  estão centenas de refugiados numa pequena faixa de estrada, isolada da restante autoestrada que liga os dois países por barreiras de metal. Esperam em tendas ou em filas, rodeados de asfalto e de cimento e afastados do acesso a água, por exemplo. Uma voluntária da UNICEF disse ao Diário de Notícias que a agência está “muito preocupada com os baixos standards humanitários” que se verificam em Bregana.

O vice-presidente da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e presidente da Cruz Vermelha italiana, Francesco Rocca, deslocou-se ao local para perceber como a organização pode ajudar. “Temos a mesma situação no sul de Itália. Lidámos com isto em Roma e em Milão. Isto só vai durar mais uns dias aqui”. Mas em Bregana, Rocca deparou-se com outro problema. Alguns refugiados queixaram-se de terem sido separados das famílias durante a seleção feita pela polícia eslovena para embarque nos autocarros em direção à Eslovénia. Como resultado, há homens que esperam junto às barreiras de metal por informações sobre as mulheres e os filhos que partiram para outras cidades. Rocca disse esperar que tudo não passe de um erro. “Se tiver sido uma questão de vontade, isso é criminoso”, disse.

Francesco Rocca disse ainda que a Eslovénia se prepara para acolher mais refugiados, estando a trabalhar na criação de um centro para os acolher. O Governo esloveno anunciou que irá receber até 10 mil pessoas.

No domingo, quando o Diário de Notícias regressou a Hormica, não encontrou Nazir. Talvez esteja entre os milhares de refugiados que entretanto foram aceites pelo Governo Esloveno. Seja como for, a viagem até à Bélgica, o país de eleição deste afegão, ainda será longa. Nem mesmo o BMW do irmão o ajudará. É que Nazir recusa um caminho mais fácil, tal como nos disse na sexta-feira. “Quero fazer esta viagem como fiz até aqui. Não vou prejudicar o meu irmão e a mulher, que têm passaportes alemães. Vou fazer esta viagem pelo meu próprio pé”. Atrás dele estarão todos os outros. Como os seus familiares e amigos. Como os familiares de Mustafa. Todos aqueles que ainda não iniciaram viagem, mas já só pensam na Europa.

Este artigo foi publicado no Diário de Notícias no dia 22 de Setembro de 2015.

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